Cátia Caldas: IST nos jovens estão a aumentar, mas números “não surpreendem”

Os números das infecções sexualmente transmissíveis têm vindo a crescer nos últimos anos: é sinal que “as doenças estão a ser identificadas”. “Só são um desafio porque podem ser assintomáticas.”

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Cátia Caldas é infecciologista do Serviço de Doenças Infecciosas do Centro Hospitalar Universitário de São João Cortesia Nuno Coimbra
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Os dados do último relatório Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC, na sigla original), revelados esta quinta-feira, são claros: as infecções sexualmente transmissíveis (IST) estão a disparar na Europa. Em Portugal, a subida mais expressiva aconteceu entre os jovens dos 20 aos 24 anos.

O país registou um crescimento superior a 50% de casos de gonorreia, mas a clamídia e a sífilis também entram na lista das infecções mais registadas.

Para Cátia Caldas, infecciologista do Serviço de Doenças Infecciosas do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ) e colaboradora da associação Abraço, estas doenças “representam um desafio” porque muitas vezes podem ser assintomáticas. Contudo, a receita para as travar passa por “educar para a saúde”, “falar abertamente” sobre o tema e “testar mais”.

Os dados do relatório espelham os casos que lhe chegam ao consultório?
Vêm na linha do que já vinha a acontecer. Se olharmos para os dados de 2018 do último relatório da ECDC, já existia um crescimento do número de IST que agora se tornou mais evidente. Se me surpreendem os valores? Não. No período da pandemia existiu quebra do rastreio, do diagnóstico e do acesso às testagens. O aumento mantém-se tanto em Portugal como noutros países da Europa e América.

No meu contexto clínico, uma das estratégias utilizadas é a consulta de profilaxia pré-exposição, que nos permite ter um contacto grande com algumas das populações-chave nos rastreios das IST. E quanto mais rastrearmos, mais diagnósticos podemos ter.

Que causas aponta para o aumento das IST em Portugal?
É uma realidade transversal. Há um aumento do número de casos diagnosticados porque há mais infecções em circulação e mais pessoas a infectar. Aquilo que temos de fazer é estar mais atentos, testar mais e alargar as técnicas que usámos para os diagnósticos. Estes números surgem porque dentro de cada país as doenças são identificadas e conseguimos contabilizá-las. Só representam um desafio porque podem ser assintomáticas.

Qual é a diferença entre IST e DST?
IST é infecção sexualmente transmissível, ou seja, uma infecção que se transmite por via sexual. Posso ter uma infecção e não ter quadro clínico específico com sinais e sintomas — isso já é uma DST, uma doença sexualmente transmissível. As IST podem ser assintomáticas e, por isso, é que se faz esta diferença na designação.

É fácil fazer um teste às IST em Portugal?
Existem diferentes formas de rastreio com diferentes testes. Podemos fazer em meio hospitalar, nos cuidados de saúde primários e estruturas de base comunitária — ainda que não para todas as patologias e universalmente —, mas temos cada vez mais acesso a estas testagens. Algumas através de picada no dedo, outros de colheita sanguínea e outros de colheita de urina e zaragatoa para realizar exames técnicos de biologia molecular que são prescritos de acordo com os locais de prática sexual.

O relatório destaca três infecções: gonorreia, clamídia e sífilis. Que doenças são estas e quais os sintomas?
As três são as doenças que, por vezes, podem não dar sintomas absolutamente nenhuns. No caso dos homens podem provocar dor genital ou saída de pus e, nas mulheres, uma infecção da área genital. Também vemos situações de inflamação ao nível do ânus, da garganta e até um quadro mais generalizado de febre e manchas na pele como tantas outras doenças dão. E mesmo que não dêem sintomas no momento podem manifestar-se mais tardiamente como o HPV [Vírus do Papiloma Humano] e trazem problemas que, no caso da mulher, pode ser infertilidade e gravidez ectópica.

Têm em comum a via de transmissão sexual. A partir do momento em que existe relação sexual sem preservativo, que é o método de barreira, pode haver transmissão de qualquer uma destas doenças. Ainda há muito estigma relacionado com as IST na comunidade médica e sociedade em geral. Estes números só mostram que é um problema para as pessoas e de saúde pública e temos de olhar para eles com seriedade e melhorar as estratégias para controlar esta tendência. Ultimamente temos falado de saúde mental e há aqui outro tema que tem de ser fortemente abordado que é a saúde sexual, especialmente quando se fala em jovens. Falar sobre isso não é só dizer que temos de usar preservativo. É informar, descomplicar, quebrar tabus porque só assim vamos contrariar estes números.

A DGS está a ponderar mudar as regras sobre o anonimato dos rastreios. Revelar a identidade das pessoas aos médicos é uma boa estratégia para travar as cadeias de transmissão e diminuir estes números?
Acho que neste momento não se trata de uma questão de quebrar ou não quebrar o sigilo. O mais importante é trazer o assunto para a mesa e falar dele abertamente. Acima de tudo tem de haver trabalho de educação para saúde e para as pessoas perceberem de que forma é que as doenças passam e que devem falar sobre estes assuntos com os parceiros sexuais. E tudo isto aliado à testagem e tratamento do doente e parceiros, que passa por fazer medicação oral e intramuscular em dosagens diferentes consoante a forma de apresentação da doença.

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