Sete euros e meio por processo não é justo para um advogado, senhora bastonária

Segundo as contas da senhora bastonária, 7,50€ é uma remuneração justa para 15 minutos de trabalho em procedimentos administrativos.

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Megafone P3 Pedro Cunha
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A senhora bastonária da Ordem dos Advogados defendeu o protocolo assinado esta semana entre a Ordem dos Advogados (OA), a Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (OSAE) e a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), invocando que se trata de processos administrativos e que, por isso, não tomariam mais do que 15 minutos a analisar e concluir, pelo que o pagamento de 7,50 euros por processo é, na sua óptica, adequado e justo.

O advogado é um profissional altamente qualificado e o desempenho das suas funções exige elevados conhecimentos técnicos. A formação de um advogado é contínua, tal como tem de ser permanente o estudo das normas que continuamente vão sendo aprovadas. Ao advogado exige-se que domine conhecimentos não só técnico-jurídicos, mas de outras áreas tão diversas como a Medicina, o Desporto, a Engenharia Civil, a Arquitectura, a Economia, as Ciências Forenses, a Psicologia, a Engenharia Naval e um sem-número de outras mais, cuja enumeração tornaria esta lista demasiado extensa.

Segundo as contas da senhora bastonária, 7,50€ é uma remuneração justa para 15 minutos de trabalho em procedimentos administrativos. Isso significa que, segundo esta visão, 30 euros seriam uma remuneração justa para uma hora de trabalho em procedimentos administrativos. Porém, há que não esquecer que estamos a falar de minutos de trabalho de um advogado, o tal profissional altamente qualificado, que descrevi acima.

Imaginemos que o Governo propunha aos médicos de Medicina Geral e Familiar a assinatura de um protocolo em que lhes pagaria 7,50 euros por cada 15 minutos em que tinham de analisar exames e indicar um provável diagnóstico para um paciente. Esses médicos seriam pagos a 30 euros à hora para despacharem quatro processos clínicos por hora. Agora imaginemos a posição da Ordem dos Médicos. Será que o senhor bastonário assinaria um protocolo destes e viria a público defender que a remuneração desse valor era adequada e justa porque se tratava apenas de analisar exames e emitir diagnósticos, coisa que não tomaria mais do que 15 minutos por processo clínico?

Digo, sem sombra de dúvida, que o senhor bastonário da Ordem dos Médicos jamais aceitaria um protocolo nestes termos. Tal como eu, sem hesitar por um segundo que fosse, jamais aceitaria um protocolo como aquele que a senhora bastonária da OA assinou com a AIMA. E isto porque 30 euros por hora não são honorários nem adequados nem justos para um advogado em nenhuma circunstância, nem mesmo para pagar o tempo de espera num tribunal pela realização de uma audiência cujo início está atrasado.

É fundamental não perder de vista que, sempre que actua, o advogado coloca ao serviço do seu constituinte todos os seus conhecimentos científicos e técnicos e, ainda, a sua competência altamente específica que só um advogado tem – e que é condição indispensável para que possa usar esse título profissional. E o advogado fá-lo a cada segundo, a cada minuto, a cada 15 minutos, a cada hora.

Aceitar honorários no valor de 30 euros por hora é profundamente desprestigiante para um advogado, porque desvirtua a sua função, os actos próprios que pode realizar, a elevada competência e os alargados conhecimentos que tem de ter e de dominar.

A OA tem de ser a primeira a exigir que o valor único e imprescindível dos advogados no Estado de direito seja devidamente reconhecido e respeitado por todos: Estado, magistraturas, órgãos de polícia criminal, funcionários judiciais, instituições privadas e cidadãos, em toda e qualquer circunstância.

As relações sociais e institucionais são, todas elas, confrontos de poder e de direitos. O único que pode assumir a defesa de cada uma das posições nessas relações de tensão é o advogado. Sem o advogado não existe a garantia da realização da Justiça, pois ele é o único que pode livremente pugnar por cada uma das posições. O Estado de direito e uma sociedade livre, justa, equitativa e fraterna são inconcebíveis sem a existência dos advogados.

É urgente restaurar a honorabilidade que é inerente à dignidade da nobre arte de advogar e que, infelizmente, tem vindo a diluir-se em gestos como este protocolo, como a passividade em relação aos quase 20 anos de vigência da tabela de honorários no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT), como a permissividade da advocacia assalariada, como a alteração da Lei das Ordens Profissionais que implicou alterações simplesmente incompatíveis e inconciliáveis com as especificidades do exercício da advocacia, como a massificação dos cursos de Direito, como a portaria – ilegal, adianto já – que entrou em vigor e que retira a exclusividade da nomeação de advogados pela sua ordem e a estende aos tribunais, ao Ministério Público e mesmo aos órgãos de polícia criminal como a Polícia Judiciária, a Polícia de Segurança Pública ou a Autoridade Tributária, para citar alguns.

A advocacia é uma verdadeira vocação, extremamente exigente em diversos aspectos como a dedicação, o estudo, o investimento formativo contínuo, a pontualidade, a urbanidade, a lisura de carácter. É tempo de que todos reconheçam e respeitem isso e seja restaurada a nobreza e a excelência do ofício daqueles que envergam a toga.

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