O menino da Mangueira que usa a música como instrumento contra a xenofobia

Neném do Chalé está em Portugal há 10 anos. Ele diz que, em vez de grito, prefere recorrer ao samba para enfrentar o preconceito e a intolerância.

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Neném do Chalé nasceu no samba e acredita que a música é o melhor instrumento contra a intolerância Vicente Nunes
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O carioca Danielson Prates de Oliveira, 37 anos, diz que entrou para o samba desde que estava na barriga da mãe, dona Leila. Conhecido artisticamente como Neném do Chalé, ele conta que, no dia em que nasceu, a mãe desceu apressada o Morro da Mangueira para que o marido a levasse até o hospital. O pai da criança, o lendário Ubiracy de Oliveira, ou Mestre Birinha, comandou por 30 anos a bateria da Estação Primeira de Magueira, uma das mais tradicionais do Rio de Janeiro. O avô, Osvaldo Vitalino de Oliveira, o Padeirinho da Mangueira, compôs alguns dos sambas mais gravados no Brasil. Com essa linhagem, Neném acredita que construiu uma das armas mais poderosas para enfrentar a intolerância e a xenofobia: a música.

“Jamais recorro ao grito para enfrentar atos de preconceito. Prefiro combater essa praga com a música. Desde muito pequeno, sempre ouvi dentro de casa que, por eu ser negro, minha vida não seria fácil. Me preparei para enfrentar esse mundo hostil com o samba, que agrega, conforta, jamais é sinônimo de divisão”, afirma o percussionista.

Ele desembarcou em Portugal há 10 anos, precisamente no Porto. Hábil no manejo da cuíca e do tamborim, logo conseguiu se encaixar em grupos musicais na cidade que lhe soava tão estranha. O menino havia crescido numa das regiões mais pobres do Rio, o Chalé, uma extensão do Morro da Mangueira. Foi dali que surgiu o codinome que ele carrega artisticamente em terras portuguesas.

Para o músico, não há porque se apegar aos tantos episódios em que foi discriminado, pela cor e por ser brasileiro. “Prefiro me ater ao que conquistei no país que escolhi para viver”, ressalta. “Há tanto carinho pelo nosso trabalho como sambistas em Portugal, um respeito enorme pela música popular brasileira. Quando começamos a batucar, o “telecoteco”, não há quem resista. Brancos, pretos, brasileiros, portugueses, americanos, franceses, suíços, italianos. Todos entram em sintonia com a alegria. Isso é um bálsamo contra a xenofobia”, acrescenta. Não que isso deva ser interpretado como um fechar de olhos para o que está errado. “É apenas a minha forma de combater”, explica.

Agoniza, mas não morre

Neném morou no Porto por seis anos. “Participei do Quintal do Samba, da Orquestra Bamba Social, do Samba Sem Fronteiras. Mas senti necessidade de ter o meu próprio projeto musical. Daí nasceu o Samba do Chalé”, detalha. Missão cumprida no Norte de Portugal — “tocamos todos os domingos dos verões” —, o percussionista resolveu fincar raízes em Lisboa.

Já bem estruturado no mundo da música, passou a promover suas rodas de samba na capital portuguesa. “Era incrível: no final das apresentações, muitas pessoas vinham me perguntar sobre a cuíca, como se tirava som daquele instrumento”, conta.

Diante de tanta curiosidade, a mulher do menino da Mangueira, Giselly Mauri, teve a ideia de criar um bloco de carnaval, o Cuiqueiros de Lisboa. Com o também percussionista Wesley Bemboy, Neném deu um passo adiante, lançando workshops sobre a cuíca. “Hoje, temos alunos de várias nacionalidades, que aprendem a tocar vários instrumentos e acabam participando das muitas rodas de samba que tomaram conta de Lisboa”, diz.

O músico não esconde o otimismo. “O samba é como um imã do bem. Nossa missão é levar alegria para as pessoas. Como dizem os velhos e sábios sambistas, o samba agoniza, mas não morre. Eu acredito que ele está mais vivo do que nunca”, afirma.

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