Quando Marella Agnelli, viúva do empresário italiano Gianni Agnelli, morreu, em 2019, não imaginava que a sua herança continuasse a fazer manchetes cinco anos depois. A sua única filha, Margherita Agnelli, denunciou os filhos John, Lapo e Ginevra Elkann às autoridades por irregularidades fiscais em Fevereiro deste ano. No final da semana passada, o Ministério Público confiscou aos três irmãos bens no valor de 75 milhões de euros por alegada fraude fiscal agravada contra o Estado.
As irregularidades estão ligadas à residência fiscal de Marella Agnelli, dizem as autoridades, que se baseiam numa “quantidade considerável de documentação contabilística e não contabilística e informática”. Para evitar o pagamento de impostos, os três netos manipularam a residência da avó, que declarou viver na Suíça em vez de Turim.
Contudo, o Ministério Público, citado pelo Il Corriere della Sera, defende que a matriarca Agnelli tinha residência estável em Itália “desde pelo menos 2010 e não na Suíça”. Durante esse período, Marella auferiu cerca de 800 milhões de euros não declarados, sendo que 42,8 milhões de euros deviam ter sido pagos em IRS e 32 milhões em impostos sobre heranças — impostos correspondentes aos anos de 2015 e 2019.
A acusação define então a acção dos três irmãos como “um esquema criminoso” para conseguir que a fortuna da avó ficasse isenta de impostos e a consequente herança também, já que foi distribuída de acordo com a lei suíça e não italiana. Com “consistência ao longo do tempo”, os suspeitos criaram uma “estratégia afinada, graças à colaboração de profissionais”, lê-se na acusação do juiz de instrução de Turim, Antonio Borretta.
“A apreensão efectuada nos últimos dias é uma etapa processual que não envolve qualquer avaliação de responsabilidade dos nossos clientes”, reagiu a equipa de advogados dos irmãos, que continua a defender que Marella Agnelli residiu na Suíça “desde o início dos anos 1970, muito antes do nascimento dos irmãos Elkann”.
Além dos irmãos Elkann, o Ministério Público está a investigar, como cúmplices, o contabilista da família, Gianluca Ferrero, também presidente da Juventus, clube de futebol da família, e o notário suíço Urs Robert von Gruenigen.
Além dos impostos da avó, os irmãos também são acusados de ocultar outros rendimentos em fundos de investimento — Providenza Settlement e Settlement Due — sediados nas Bahamas. Aliás, diz o mesmo jornal italiano, só começaram a declarar os rendimentos auferidos no estrangeiro depois de terem sido investigados por lavagem de dinheiro, em Julho de 2023, uma investigação que deu conta que John Elkann tinha um escritório sediado no Liechtenstein.
Em Outubro desse ano, os três entregaram adendas ao IRS de 2019, 2020 e 2021, nas quais já listam os bens localizados no estrangeiro, incluindo aqueles decorrentes da herança de Marella Agnelli.
Drama familiar
O drama entre os três irmãos e a mãe já se arrasta há 17 anos, quando Margherita Agnelli decidiu contestar o acordo de herança dos pais. Em 2004, um ano após a morte do pai Gianni Agnelli, a mulher assinou um acordo onde renunciava à participação na sociedade familiar no valor de mais de mil milhões de euros, passando automaticamente a sucessão para o seu filho mais velho — actualmente presidente do grupo Exor, com participações na Ferrari e no conglomerado Stellantis.
Contudo, depois, impugnou o acordo por, segundo alega, ter sido vítima de conspiração dos filhos mais velhos que teriam a intenção de vedar o acesso à herança aos irmãos mais novos (Margherita Agnelli tem mais cinco filhos do actual casamento com Serge de Pahlen), justificando que era conhecida a protecção dos avós em relação aos netos mais velhos. “Junto com meus irmãos, sofremos desde cedo violência física e psicológica da nossa mãe. E foi isso que criou uma relação protectora por parte dos nossos avós”, testemunhou John Elkann, numa entrevista ao Avvenire em Maio deste ano.
Margherita teve os três filhos mais velhos com Alan Elkann, de quem se divorciou em 1981, quando John tinha apenas 4 anos. No ano seguinte, conheceu Serge de Pahlen, com quem teve cinco filhos, entre 1983 e 1990. A história da família é narrada em Mondo Agnelli (ainda sem tradução em português) da jornalista Jennifer Clark, que relata a conversão da italiana à religião cristã ortodoxa por influência do novo marido, de nacionalidade russa.
“Converteu-se a essa crença ao ponto de envolver os filhos em cantos religiosos e orações, dando-lhes ícones para os protegerem durante as viagens. Se as crianças se recusavam a rezar, Margherita muitas vezes ficava irritada, o que criava um clima tenso. Eles foram enviados para acampamentos de Verão ortodoxos no Sul da França, lugares onde todos os dias era hasteada a bandeira imperial da Rússia czarista, com a águia e as duas cabeças”, lê-se no livro, citado pelo Il Corriere della Sera.