Benfica, Otamendi e uma incontrolável atracção pelo desarme

O argentino falhou várias vezes frente ao Estrela Vermelha, na Champions, e isso não foi um caso isolado. Aos 36 anos, o central continua a ter uma postura “suicida” na defesa, prejudicando a equipa.

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Otamendi e Gyokeres em duelo num Sporting-Benfica RODRIGO ANTUNES / LUSA
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Uma das coisas mais básicas ensinadas aos jovens futebolistas – e é um preceito habitualmente incluído logo nos iniciados ou, o mais tardar, nos juvenis – é que nem sempre devem tentar roubar a bola aos adversários. Por vezes, é mais útil manter a posição, controlar o espaço, esfriar o ímpeto e até mesmo recuar.

Podem fazê-lo para obrigar o atacante a tomar uma decisão, para adiar o momento do desarme – e, com isso, esperar por mais apoios dos colegas e por superioridade numérica defensiva – ou simplesmente para encaminharem o adversário para uma zona do terreno menos perigosa.

A chamada contenção tem várias aplicações e, quando usada no momento certo, é tão ou mais favorável do que o ímpeto mais “canibal” de atacar quem é dono do bem mais precioso do jogo.

Não é crível que alguém da craveira de Nicolas Otamendi não esteja a par deste conceito. Está certamente. Mas parece estar? Nem por isso. É que se há coisas certas na vida, uma delas é que o argentino vai tentar o desarme sempre que possa – e, por vezes, mesmo quando não pode.

Aos 36 anos, o central continua a somar erros criados pela mesma limitação: a suicida, incontrolável e inexplicável atracção pelo desarme.

Na passada quinta-feira, na Liga dos Campeões, com o Estrela Vermelha, o Benfica voltou a sofrer um golo quando o central, sem se perceber bem porquê, achou que seria útil atacar o portador da bola “à queima”, juntando-se a António Silva num dois contra um escusado – e mais escusado ainda quando há um outro atacante em posição de ficar isolado.

Nem mesmo a possibilidade de poder estar a tentar colocar o adversário em fora-de-jogo é lógica, porque não era situação vantajosa para o fazer, sobretudo tão perto da baliza e sem saber como estava posicionado Carreras atrás de si.

Foi dessa forma que Otamendi “atacou” Ndiaye, falhou o corte, desposicionou-se e permitiu que Milson marcasse perante Trubin. O Benfica ganhou o jogo? Ganhou. Mas poderia não ter ganhado.

O próprio Otamendi já tinha tido neste jogo mais um trio de tentativas infrutíferas de antecipação, uma delas com perigo criado pelo Estrela Vermelha: foi aos 18’, num lance salvo por Trubin.

Trucidado por Gyokeres

Este não seria um tema se tivesse acontecido apenas neste jogo. O jogador poderia ter-se equivocado, lendo mal a probabilidade de sucesso do desarme. Acontece. Mas, com Otamendi, já é mais do que um “acontece”, porque acontece jogo sim, jogo sim.

Foi Otamendi quem tentou, com o Santa Clara, no campeonato, um corte arriscado e difícil, com o corpo no ar, cujo insucesso isolaria um adversário – e isolou, com golo de Vinícius. A bola não era das mais fáceis, porque estava a ir para as costas do argentino, mas ele tinha tempo e espaço para ler a trajectória de forma a não arriscar um corte acrobático.

Se andarmos um pouco mais para trás, foi Otamendi quem tentou procurar o duelo físico com Gyokeres, a 29 de Fevereiro, na Taça de Portugal, num lance no qual o sueco pediu a bola no espaço, na meia-direita. Ali, até pelo perfil do adversário, pedia-se contenção e, se possível, tentar encaminhar o avançado para a linha lateral, tirando-lhe o caminho da baliza.

Otamendi preferiu o duelo físico, como quase sempre, e acabou por ser facilmente batido e oferecer o golo a Gyokeres.

Vários casos

Foi também ele quem, nesse dia, teve novamente Gyokeres em velocidade pela zona central e, em vez de fazer contenção para a ala, arriscou o corte, sendo o último defensor – e depois teve azar, porque esse corte, mal feito, acabou por bater-lhe na mão e valer-lhe um cartão amarelo. Havia necessidade? Não.

E até houve, antes disso, uma boa “aula” de António Silva dada a Otamendi, com o jovem português a aplicar a contenção várias vezes, sabendo que Gyokeres não é um portento técnico e não especialmente forte na tomada de decisão.

Obrigado a decidir pelo critério e pela técnica, o sueco é um jogador bastante menos letal do que quando tem um central “guloso”, contra o qual basta colocar a bola para a frente no momento exacto e aplicar a potência e velocidade para dizer “adeus”.

Também foi Otamendi quem, no clássico com o FC Porto, em Março, decidiu tentar um carrinho escusado sobre Galeno, pela tal avidez do desarme, virando o extremo “do avesso” – foi amarelo e o argentino acabou expulso dez minutos depois.

Também tem o nome de Otamendi a abordagem bizarra frente ao Sp. Braga, em Abril, quando Álvaro Djaló o atacou em velocidade e o argentino, claro está, tentou o desarme em carrinho. Resultado: Djaló foi embora e não havia como parar Banza e Horta – o português marcou na Luz.

A pesquisa poderia recuar mais meses, mais anos e mais campeonatos, porque o resultado seria o mesmo: Otamendi sempre foi um central de risco – dos que fazem os cortes mais vistosos e dos que mais desequilibram a equipa.

Ver o argentino em carrinhos em vários locais do terreno é uma imagem já algo batida nos jogos do Benfica.

Vantagens e desvantagens

Se Otamendi sabe de tudo isto? Naturalmente que sim – mas a atracção pelo desarme está no sangue do argentino. O plano de jogo de Otamendi é unidimensional: entradas de carrinho, duelos ombro a ombro e tentativas de desarme em qualquer local do campo, contra qualquer adversário.

E isto tem vantagens e desvantagens. A vantagem é que, quando resulta, proporciona cortes vistosos, daqueles que reclamam aplausos da bancada, permitindo ainda “secar” adversários que nem chegam a tocar na bola, tal é a força do argentino na antecipação.

O problema é quando não resulta. Aí, Otamendi não só corre o risco de deixar adversários fugirem com campo livre como desequilibra os jogos de pares da linha defensiva, obrigando os colegas a dobras.

Se isto é mau numa equipa globalmente organizada, pior é numa formação, como o Benfica, cujo desequilíbrio em transição defensiva é permanente.

Melhor em campo

A este respeito há um dado curioso. Frente ao Estrela Vermelha, na Liga dos Campeões, o site de estatísticas goalpoint apontou que Otamendi foi... o melhor em campo.

E isto atesta toda esta tese. Porque o argentino é, em rigor, um jogador que soma muitos cortes, intercepções e duelos por jogo, já que é quase sempre nessa via que baseia o seu desempenho.

Mas os números não dizem tudo: e as estatísticas, neste caso do goalpoint, não vão ao detalhe de analisar o benefício de uma má abordagem posicional, já que esse aspecto é mais analítico do que mensurável matematicamente.

Caso o argentino não perca pontos em autogolos, faltas, cartões amarelos, cartões vermelhos ou passes errados, consegue ser, facilmente, o melhor em campo em qualquer jogo, tal é o número de duelos e desarmes que pode somar pela sua forma de actuar.

Se isso é bom para a equipa? Essa já é outra conversa.

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