A tirania da felicidade

A indústria do bem-estar, sobretudo nas redes sociais, pode ser perniciosa. O verdadeiro bem-estar surge ao aceitarmos todas as emoções e imperfeições, não na busca constante pela felicidade.

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Megafone P3: A tirania da felicidade Unsplash
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Life coaching, wellness, mindfulness e palavras do espectro causam-me calafrios. Perdoem-me os verdadeiros profissionais da matéria, mas a absoluta canibalização a que foram sujeitas estas práticas mancha a reputação e credibilidade da área.

Proliferam fórmulas como "ama-te a ti mesmo", "sê confiante", "manifesta felicidade e o resto virá". Mantém-te positivo! Ou qualquer outro aforismo da longa lista de chavões de self-love. Algumas influencers e autoproclamados profissionais do wellness promovem rotinas inatingíveis para a pessoa comum, mas transmitem a ideia de que é necessário e fácil. Basta acordar às 5h, meditar, ver o nascer do sol, tomar um banho de imersão com flores de lótus com uma máscara facial e enquanto lemos um livro ao som de taças tibetanas. Segue-se o desjejum com sumo detox, tudo isto numa casa limpa, organizada e em tons neutros. São estilos de vida com práticas irrealistas para a maioria dos mortais com família e um trabalho tradicional. São experiências de um nicho privilegiado e específico que não servem de fórmula para todos. É algo elitista. Passam uma imagem demasiado simplificada de saúde e pior, de exclusão de quem não encaixa nessa caricatura da pessoa feliz.

O wellness das redes sociais capitaliza este modo de pensar pseudopositivo. Mas a forma desadequada, pouco científica e repressiva como comunicam e atuam é que torna a felicidade tóxica.

A expectativa de felicidade constante é falaciosa e coloca-nos sob demasiada pressão. É certo que pensamentos negativos e depressivos não devem dominar a nossa vida. Felicidade ou tristeza temos de conviver com os dois estados e todos os seus intermédios. A normalidade não é ser-se sempre feliz, é saber lidar de forma funcional com todas as emoções que fluem.

As fotos de praias serenas com uma qualquer frase motivacional inundam as nossas redes sociais. As pessoas sempre belas e sorridentes, sempre muito bio, sempre muito bem. Dizem-nos que basta acordarmos agradecidos e com um sorriso, e que se acreditarmos em nós, seremos tudo o que quisermos. Vendem-nos depois mentorias, cursos, retiros e produtos que nos prometem sempre o mesmo: sermos belos e felizes! Este artifício faz-nos sentir vergonha da nossa falta de leveza e felicidade. Não basta o copo meio cheio, o copo tem de transbordar. Dizer que não temos sucesso porque não tentamos ou que não somos felizes porque não queremos é mortificante, é quase uma forma de culpabilizar a vítima. A indústria do wellness pode ser perniciosa e de forma adjacente incutir nas pessoas falta de controlo, sensação de inadequação ou insatisfação com as suas vidas.

Alguns ramos da psicologia tocam nestas questões da atenção a si próprio, de forma controlada e racional. Estamos a falar de nos conhecermos melhor para trabalharmos no nosso crescimento e desenvolvimento, numa perspectiva de aceitação, encontrando paz naquilo que somos e temos, trilhando um caminho de autocuidado, com mente sã em corpo são. E até aqui está tudo bem. Devemos é estar alerta para a ideia que nos querem vender de que só atingimos a perfeição se formos muito felizes. É opressivo. É necessário ter cautela e construir a nossa confiança de dentro para fora.

Não é algo tão simples. Cuidar de nós mesmos, das pessoas que amamos e das nossas relações é essencial. Assim como investir no nosso crescimento pessoal, tanto emocional quanto intelectual. Aprender a lidar com desafios, frustrações e momentos de dificuldade faz parte desse processo. Somos um projecto em constante evolução, sempre com possibilidade de nos aprimorarmos. No entanto, se colocarmos todo o esforço na busca da felicidade, corremos o risco de nos frustrarmos quando não a encontramos, e acabamos por nos culpar. A felicidade é mais uma consequência do que um objectivo. Ela surge nos momentos de equilíbrio, quando aceitamos que somos imperfeitos e que crescer envolve muito mais do que a simples busca por momentos de alegria. Não quero invalidar categoricamente os benefícios que algumas práticas possam ter, mas não são suficientes e o seu objetivo último não deve ser apenas ser feliz porque sim e porque é a única coisa que devemos almejar.

Se me permitem, termino com alguma ironia: Good vibes only!

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