Carlos morreu carbonizado a recuperar as máquinas da empresa. Porquê?

Sempre que se repete a narrativa contra os imigrantes, estamos a aumentar não só a desconfiança da sociedade como um todo, mas também o próprio desespero de quem imigra em busca de uma vida melhor.

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PAULO NOVAIS/LUSA
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O seu nome era Carlos Eduardo, tinha 28 anos, mais dois que eu. Nasceu no Brasil, numa favela na região mais pobre do Recife. Eu nasci em Oeiras, um dos concelhos mais ricos do país. Atravessou o oceano Atlântico à procura dos seus sonhos e de uma vida melhor. Eu tive sempre aquilo que queria e precisava ao pé de casa. Tinha uma filha, que fica agora sem pai para o resto da vida.

A história de Carlos Eduardo não é diferente das de milhões de pessoas que imigram para outro país, seja um jovem paquistanês que vem para Portugal ou uma jovem portuguesa que vai para a Alemanha. E há uma constante a quase todos os que imigrantes em qualquer país: estão expostos.

Esta segunda-feira, dia 16 de setembro, Carlos Eduardo foi com outros funcionários recuperar maquinaria da empresa para a qual trabalhavam, que se encontrava numa zona afetada pelos incêndios. Acabou engolido pelas chamas e foi encontrado carbonizado.

Calculo que seja natural que as pessoas façam de tudo para proteger os seus bens perante uma calamidade destas. Mas até que ponto estarão as pessoas dispostas a ir? E que consequências haverá para quem, procurando preservar a sua vida, se atreve a dizer que não?

Os imigrantes são quem está mais exposto.

Os imigrantes são quem, muitas vezes, tem de se provar mais para mostrar que vale. Já todos ouvimos as velhas narrativas: “Vêm para ganhar subsídios”, “não fazem nada”, “são preguiçosos” e outras semelhantes. Estão longe de casa, muitas vezes longe da família. O que ganham é parte para si, parte para dar a pais e filhos. Estão dispostos a fazer mais. Não conhecem as leis e os seus direitos. São muitas vezes sujeitos a situações no limiar da imoralidade (ou da ilegalidade?) sem o saberem. E mesmo quando o sabem, fazem-no porque, muitas vezes, não têm outra opção.

Sempre que se repete a narrativa contra os imigrantes, estamos a descaraterizar uma pessoa, a diminui-la, a aumentar não só a desconfiança da sociedade como um todo, mas também o próprio desespero de quem apenas imigra em busca de uma vida melhor. Sempre que o fazemos, encorajamos aqueles que estão dispostos a abusar dessa diminuição e desse desespero para ganhos próprios.

Carlos Eduardo morreu porque a sua empresa pôs em risco a vida dos próprios trabalhadores para salvar as suas máquinas. Carlos Eduardo morreu porque o seu desespero o levou a pôr em risco a própria vida, por um trabalho. Carlos Eduardo morreu porque aqueles que falam contra a imigração tornaram-no, aos olhos da sociedade, menos valioso que a máquina da sua empresa.

Que todos os eventuais responsáveis sejam punidos de acordo com a justiça e como manda a lei.

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