Tudo começou, aos 16 anos, com uma participação no concurso Miss Itália, que não ganhou — ficou em quarto lugar. Mas a sua beleza e as linhas esculturais valeram-lhe o prémio de consolação Miss Elegância e uma projecção que lhe viria a abrir portas no mundo do cinema: estreou-se, nesse mesmo ano, em 1950, mas o seu nome, ainda como Sofia Lazzaro (viria ainda a ser Sofia Scicolone, antes de assumir a assinatura mais internacional Sophia Loren) só surgiria nos créditos um ano mais tarde, em Lebbra Bianca, de 1951. Nesta quinta-feira, celebra 90 anos e vai festejar em grande.
Foi precisamente nesse ano de 1951 que conheceu o produtor Carlo Ponti, com quem viria a partilhar a sua vida: pais de dois filhos, Edoardo e Carlo, casaram-se em 1957 e o fim seria apenas ditado pela morte de Ponti, em 2007.
A par de Carlo, o sucesso também se atribui a Vittorio De Sica, que lhe deu o papel em O Ouro de Nápoles em 1954 e, no ano seguinte, no grande êxito Pão, Amor, e... “Foi a primeira vez na minha vida que alguém acreditou em mim e apostou em mim”, recorda a actriz numa grande entrevista ao la Repubblica, a propósito do seu aniversário.
Na década seguinte, foi-se dividindo entre Hollywood e Itália, ao lado de grandes estrelas da época. Entre os filmes mais sonantes contam-se Orgulho e Paixão (1957), de Stanley Kramer, onde contracenou com Frank Sinatra e Cary Grant; A Cidade Perdida (1957), de Henry Hathaway, com John Wayne; A Chave (1958), de Carol Reed, com William Holden; ou Cintia (1958), de Melville Shavelson, novamente com Cary Grant.
A ascensão de Loren foi rápida e, em 1961, venceria o Óscar de Melhor Actriz por Duas Mulheres. Seguir-se-iam mais de 50 prémios internacionais, incluindo outro Óscar, um BAFTA, um Urso de Ouro Honorário, um Leão de Ouro de Veneza e um prémio Cecil B. DeMille pelo conjunto da obra pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, em 1995.
E não há nada que se arrependa de ter feito no seu percurso no cinema, garante na entrevista citada. “Nunca me arrependo do que me escapou, prefiro pensar que amanhã encontrarei algo melhor.” E arrisca: “Quem sabe, talvez ainda faça uma nova obra-prima, como se tivesse 20 anos.”
Até porque quer voltar a trabalhar com o filho mais velho, o realizador Edoardo Ponti (o mais novo, Carlo, é maestro), que foi responsável por Uma Vida à Sua Frente (2020), onde Sophia Loren dá vida a uma sobrevivente do Holocausto que cuida de uma criança imigrante. “Queremos trabalhar novamente. Queremos lembrar que a beleza da idade e que o passado permanece connosco. Veremos. Continuo decididamente napolitana: sou supersticiosa e prefiro não falar nisso”, levantou o véu ao la Repubblica.
Em 2023, foi submetida a uma cirurgia para tratar uma fractura na anca, na sequência de uma queda, mas, de resto, Sophia Loren não tem outros problemas de saúde conhecidos, que a impeçam de trabalhar. “Não paro de procurar, a pensar que em algum lugar existe um papel que não me deixa dormir à noite”, insiste.
Padrões de beleza
Nada na infância de Sofia Costanza Brigida Villani Scicolone fazia prever que se tornaria um dos ícones de Itália e uma das maiores divas do sáculo XX. Nasceu a 20 de Setembro de 1934, numa enfermaria para mães solteiras na clínica de Santa Margherita de Roma. O nascimento fora do casamento foi, claro, um choque na sociedade romana ultracatólica dessa época. De origem aristocrática, o pai só lhe deu o sobrenome Scicolone e visitou-a por raras ocasiões.
Face ao abandono, a mãe, Romilda, que era ela própria uma aspirante a actriz, não teve outra solução que regressar a Pozzuoli, perto de Nápoles. Sophia Loren já falou, por diversas vezes, das dificuldades que passou na infância marcada pela guerra e pela pobreza. Mais tarde, foi vítima de preconceito (ou bullying) por ser demasiado alta e magra. “Eu tinha consciência de que a minha atractividade era resultado de muitas irregularidades misturadas num único rosto, o meu”, reconheceria mais tarde.
A beleza havia de lhe definir o percurso, não só como ícone do cinema, mas também da moda. Foi uma das musas de Christian Dior, que criou para ela o célebre vestido Caracas em 1957, pouco antes de morrer. A casa de moda manteve-se sempre ligada a Loren e, na era de Marc Bohan, desenharam todo o guarda-roupa da actriz para Arabesc, em 1966. Sophia também não esquece a moda italiana e é uma das melhores amigas de Giorgio Armani, que também celebrou 90 anos recentemente.
Ainda assim, em Hollywood nem sempre se sentiu enquadrada nos padrões de beleza. No seu livro de memórias Ontem, hoje, amanhã, lançado há uma década, recordava um episódio em que tentaram que alterasse o seu nariz. “O Carlo disse-me: ‘o realizador acha que o teu nariz é muito comprido. E respondi-lhe que se tivesse de retocar o meu nariz, voltava para Pozzuoli”, escrevia, com humor.
Feminista assumida, não foi fácil sobreviver em Hollywood. “"Há obstáculos e lembro-me de quantos surgiram à minha volta para me impedir de ser feliz. Lutei contra tudo até me livrar deles”, confessa. Está mais optimista quanto ao futuro das mulheres e elogia duas em particular. “Desde a minha juventude até aos dias de hoje, as mulheres foram muito mais longe, quase até ao topo. Kamala Harris, na América, e Ursula von der Leyen, na Europa, são exemplos de mulheres que não só vivem de acordo com as suas visões de progresso e igualdade, mas cuja missão é transformar essas batalhas em realidade para benefício de todas as mulheres.”
De regresso a Roma para a festa
Será o amigo Armani a vestir a actriz para a festa desta de aniversário desta sexta-feira. Loren viaja da Suíça, onde vive actualmente, para celebrar com a família e amigos e fica no luxuoso hotel Anantara Palazzo Naiadi, que, como presente de aniversário, decidiu baptizar uma suíte em homenagem à actriz, avança o Il Corriere della Sera.
O quarto de 180 metros quadrados é onde Sophia Loren fica habitualmente alojada quando visita Roma e guarda “os seus gostos pessoais menos conhecidos e as suas memórias mais preciosas”, garante o hotel, que decorou a sala com rosas brancas, a flor favorita da diva, e adicionou uma pintura de Puzzuoli para a estada especial. Na manhã depois da festa, não faltará o café servido com dois biscoitos savoiardi, que Loren toma todas as manhãs.
Para festejar o 90.º aniversário, estão convidadas 150 pessoas que vão começar a noite com um aperitivo no terraço do hotel com vista para a Praça da República e para as antigas Termas de Diocleciano. Segue-se o jantar e a festa, porque a vida continua a precisar ser celebrada. “A minha história é muito linda, cheia de muitas coisas, de muitas lembranças, boas e más, porque às vezes a vida é muito difícil. Muito violenta, principalmente quando nasci e cresci durante a guerra. Mas, claro, o final é feliz”, escrevia nas memórias de 2014 e mantém certamente aos 90 anos.