Paralisação dos advogados oficiosos não está a surtir efeito

Recusas de serviço urgente não têm afectado tribunais, apesar da elevada adesão. Bastonária diz que têm sido praticadas ilegalidades para contornar protesto e fala em centenas de diligências adiadas.

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De nove mil advogados oficiosos apenas 1284 acederam a fazer serviço urgente durante Setembro Rui Gaudêncio (arquivo)
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A recusa dos advogados oficiosos em aceitar serviço urgente durante este mês de Setembro não está a surtir o efeito desejado: o seu impacto tem sido quase nulo, asseguram não só o Ministério da Justiça como também dirigentes de várias comarcas judiciais contactados pelo PÚBLICO.

Quando lançou este protesto – que formalmente não é uma greve, uma vez que se trata de uma profissão liberal – destinado a pressionar o Governo para aumentar o pagamento das defesas oficiosas a bastonária dos advogados, Fernanda Pinheiro, assumiu que o seu objectivo era fazer parar os tribunais. E os números fornecidos por esta ordem profissional não deixam dúvidas de que a adesão foi maciça: dos nove mil advogados que costumam representar quem não tem possibilidade de pagar a um advogado particular, apenas 1284 acederam a fazer serviço urgente durante Setembro.

Ainda assim, os dados que têm vindo a ser fornecidos desde o início do mês pela tutela relativamente às chamadas escalas presenciais, durante as quais estes profissionais ficam no tribunal à espera do serviço que possa aparecer, dão conta de um número ínfimo de diligências adiadas. O Ministério da Justiça não tem apresentado qualquer balanço das situações fora dos maiores centros urbanos, onde as escalas de prevenção não são presenciais, por não ter, ao que diz, essa informação.

A libertação, no início do mês, de um suspeito de coacção sexual de menores em Famalicão, por falta de advogado oficioso para o defender, foi o único caso que até ao momento ganhou alguma relevância. “Mas no dia seguinte voltou a ser detido pelos mesmos motivos e ficou em prisão preventiva”, porque nessa altura já havia um profissional para o defender, explica a administradora da comarca de Braga, Irene Amorim. Até agora, a funcionária não registou nenhum outro caso de relevo. “Não me chegou informação de nenhuma diligência adiada por causa do protesto”, confirma o administrador da comarca de Bragança, Falcão Lopes.

O cenário repete-se noutras comarcas do país, sejam de maior dimensão - Porto, Lisboa – ou de menor, como Portalegre, Setúbal e Faro. “Se houve adiamentos de diligências não foram problemáticos”, descreve o juiz que dirige a comarca de Setúbal, António José Fialho. “Zero. Não houve nenhuma diligência adiada”, garante por seu turno a sua colega do Porto, Ausenda Gonçalves.

As funcionárias que administram as comarcas de Lisboa e de Portalegre afinam pelo mesmo diapasão: “Tem estado tudo a correr normalmente”. O mesmo tem sucedido em Faro: “Aqui felizmente não tem havido problema nenhum. Os sete ou oito advogados que se inscreveram para fazer oficiosas em Setembro têm dado conta do serviço”, diz o presidente da comarca de Faro, Henrique Pavão, admitindo que o eventual surgimento de vários detidos ao mesmo tempo possa desencadear problemas.

Em Coimbra registou-se esta quinta-feira um incidente: perante a falta de quatro advogados numa diligência destinada a interrogar um arguido e a realizar também um debate instrutório, houve um juiz que recorreu a advogados que não estavam escalados para o serviço urgente neste dia, mas que se voluntariaram para o fazer. A bastonária diz que vai apresentar queixa do magistrado ao Conselho Superior da Magistratura, por desrespeito da lei, e também abrir processos disciplinares aos colegas que acederam a fazer o serviço. “O juiz limitou-se a cumprir o seu dever, garantindo a realização da diligência”, assegura o presidente da comarca, Carlos de Oliveira, que também não tem notícia de perturbações no serviço devido à greve.

Mas para a bastonária incidentes como o que sucedeu em Coimbra, onde houve advogados que se queixaram à respectiva Ordem dos colegas que quiseram prestar serviço voluntário, ajudam a explicar a falta de impacto do protesto. “Tem sido à custa da violação dos direitos dos arguidos, que nalguns casos não têm contado com a presença de advogado, e do sistema de acesso ao direito. Ou seja, à custa de ilegalidades”.

O departamento que lida com o chamado sistema de acesso ao direito na Ordem não tem estado a atender as chamadas dos tribunais a pedir defensores oficiosos. “Até 19 de Setembro houve 515 chamadas por atender”, contabiliza Fernanda Pinheiro. Que, contrariando os números divulgados pela tutela - embora geograficamente circunscritos ao Porto e a Lisboa - fala em “centenas de diligências adiadas”.

Para o Ministério da Justiça, este protesto é “irrazoável” e surge “a destempo”, uma vez que o programa do Governo prevê a revisão do sistema das defesas oficiosas, tendo-se comprometido a apresentar à Ordem dos Advogados um projecto nesse sentido no início do mês que vem. A bastonária quer no entanto garantir que o aumento do pagamento é decidido a tempo do Orçamento do Estado de 2025.

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