Caro leitor

Assistimos esta semana, numa escola, a um episódio de violência extrema que choca por várias razões, desde logo a idade das crianças envolvidas.

Um aluno de 12 anos da Escola Básica da Azambuja, vestido com um colete à prova de bala, atacou com uma faca seis colegas entre os 11 e os 14 anos. Frequenta o 7.º ano. Foi detido, levado para avaliação psicológica num hospital, nenhuma vítima corre risco de vida. Não é conhecido historial de problemas de comportamento. “Ele atingiu uns e não outros, atacou crianças que não conhecia, mas também a sua melhor amiga. Não creio que o tenha feito de propósito. Mas a alguns disse para se afastarem”, contou um jovem à jornalista Ana Dias Cordeiro, que esteve na escola nesta quarta-feira. 

Dez psicólogos estão a apoiar a comunidade escolar. Muitos alunos faltaram no dia seguinte ao ataque, que faz lembrar as cenas terríveis, tantas vezes com mortos e feridos graves, que vemos acontecerem em escolas noutros países, com os Estados Unidos em destaque. Mas Margarida Gaspar de Matos, uma das maiores especialistas em adolescência do país, põe água na fervura, defende que este é um caso “isolado”, “nada típico da cultura nacional”. É “preocupante”, mas é preciso pôr as coisas no devido lugar.

Falei com ela para esta newsletter, para nos ajudar a ler o que aconteceu. “Há crianças serenas, outras mais agitadas, tumultuosas, conflituosas, outras até violentas (muito pouco autorreguladas) e com características pessoais, passados e condições contextuais por vezes inimagináveis. Depois há casos verdadeiramente atípicos e preocupantes, como me parece o presente”, diz a também coordenadora científica do Observatório da Saúde Psicológica e do Bem Estar, um organismo constituído pelo Ministério da Educação para recolher indicadores de saúde psicológica nas escolas.

Os grandes estudos epidemiológicos, como o Health Behaviour in School-aged Children, da Organização Mundial de Saúde, no qual Portugal participa regularmente, e que Gaspar de Matos coordena há anos, mostram que o bullying “até está a diminuir (ligeiramente) e a violência a subir (ligeiramente)”. Ou seja, não há propriamente aqui uma ruptura com um padrão, que é o português, onde, desde logo, as armas não são valorizadas, nem estão acessíveis da mesma forma.

Usar a pandemia para justificar episódios pontuais também não lhe parece adequado, por muito que haja evidência da deterioração da saúde mental das crianças no pós-pandemia. Mas isso não significa que os miúdos tenham actos excepcionais como o que vimos aqui.  

Estes casos têm sempre muitas explicações, são fenómenos complexos, prossegue Margarida Gaspar de Matos. E sobre o jovem da Azambuja, internado no serviço de Pedopsiquiatria do Hospital D. Estefânia, em Lisboa, falta ainda saber muito. “Mas já que fomos surpreendidos por este lamentável episódio, o mais importante é aprender com ele e [aprender] como evitar [repetições]”, diz Gaspar de Matos.

Primeira nota: “O pior que pode acontecer é um crescendo de ansiedade, desorganização, medidas restritivas violentas que ponham a ‘escola’ e a sociedade em geral num ‘estado disfórico’ de receio.”

Segunda nota: “Este episódio devia originar um largo debate nas escolas, incluindo todos os actores relevantes (directores, professores, alunos, pais, psicólogos…) para tentar organizar o ecossistema com vista à prevenção da violência e à promoção de uma cultura de paz, de gestão de emoções negativas, de resolução de conflitos, de promoção de uma cultura de lazer, trabalho e convívio, participada por todos.”

A Federação Nacional de Professores (Fenprof) diz que para tal acontecer há medidas que poderão exigir o aumento de recursos humanos e a sua qualificação. Pode ser preciso afectar mais assistentes operacionais às escolas; colocar animadores socioculturais e de tempos livres que possam orientar e acompanhar as actividades lúdicas dos alunos durante os intervalos; constituir equipas multidisciplinares de apoio, integrando psicólogos, sociólogos, assistentes sociais; reduzir o número de alunos por turma... são exemplos que a Fenprof enumera num comunicado a propósito do caso da Azambuja.

O primeiro estudo sobre saúde mental nas escolas, feito pelo observatório que Gaspar de Matos coordena, é de 2022. Mostrou que um terço dos alunos portugueses apresentava sinais de sofrimento psicológico, “a exigir atenção” e recursos “para lhes fazer face”. E que metade dos professores estavam na mesma situação. 

Este relatório e outros materiais, bem como uma lista de projectos que têm promovido boas práticas de saúde psicológica e bem estar em contexto escolar, podem ser encontrados aqui.

Outros temas esta semana:

Obrigada por nos acompanhar

Voltamos na quinta-feira

Qual deve ser o papel dos manuais digitais nas escolas? Envie a sua resposta para educacao@publico.pt

Esta newsletter não acaba aqui. Subscreva para ler o conteúdo completo.