ONU diz que regime de Maduro intensificou “brutalidade da repressão” após eleições
Organização descreve “repressão sistemática, coordenada e deliberada por parte do Governo venezuelano”. Pelo menos 25 pessoas foram mortas nos protestos e 2400 foram detidas.
A missão das Nações Unidas mandatada para investigar os acontecimentos depois das eleições de 28 de Julho na Venezuela – em que tanto Nicolás Maduro como o opositor Edmundo González Urrutia se declararam vencedores – diz que a resposta do Governo aos protestos que se seguiram constitui “um marco na deterioração do Estado de direito” no país.
“O Governo instrumentalizou todo o aparelho de Estado, incluindo, especialmente, o sistema judicial, com o objectivo de silenciar qualquer diferença de opinião que se oponha ao seu esquema para se manter no poder a todo o custo”, afirmou aos jornalistas, em Genebra, Marta Valinas, chefe da missão que entrevistou centenas de pessoas à distância ou noutros países, por lhe ter sido negada a entrada na Venezuela.
“Estamos a enfrentar uma repressão sistemática, coordenada e deliberada por parte do Governo venezuelano, que responde com um plano consciente para silenciar qualquer forma de dissidência”, afirmou ainda Valinas.
Pelo menos 25 pessoas foram mortas nas manifestações que se seguiram às disputadas eleições: destas, 24 morreram com ferimentos de bala, a maioria no pescoço. Até meio de Agosto, a ONU registou 2400 detenções – muitas na chamada Operação Tun Tun, com a polícia a chegar sem aviso às casas de críticos do regime. Mas, de acordo com o relatório divulgado nesta terça-feira, esta operação também serviu para deter cidadãos comuns em bairros pobres.
O relatório da Missão Internacional Independente de Apuramento de Factos na República Bolivariana da Venezuela explica que o Estado intensificou a sua face “mais dura e violenta” de forma “consciente”, descrevendo “acções destinadas a desmobilizar a oposição política organizada; a inibir a difusão de informação independente e de opiniões críticas ao governo; e a impedir o protesto pacífico dos cidadãos”. “A brutalidade da repressão continua a gerar um clima de medo generalizado entre a população”, lê-se no documento.
"Crimes contra a humanidade"
“A missão tem motivos razoáveis para acreditar que algumas das violações dos direitos humanos investigadas durante este período representam uma continuação da mesma linha de conduta que a missão assinalou em relatórios anteriores como crimes contra a humanidade. Essas violações não foram o resultado de actos isolados ou aleatórios, mas fazem parte de uma série de actos cometidos na concretização de um plano coordenado para silenciar, desencorajar e sufocar a oposição ao Governo do Presidente Maduro”, diz ainda o relatório.
Segundo os investigadores da missão criada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, “as principais autoridades públicas abandonaram toda a aparência de independência e submeteram-se abertamente ao executivo”.
Um dos principais exemplos é o de Elvis Amoroso, presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que recusou a publicação da totalidade das actas oficiais das urnas. Com declarações na linha das do Governo, Amoroso (que é amigo pessoal de Maduro) insistiu em criminalizar os opositores do chavismo. No mesmo registo, a Procuradoria-Geral da República mandou prender 2400 pessoas que não foram a julgamento e não conhecem os crimes de que são acusadas, sabendo apenas que há uma acusação genérica de “terrorismo”.
Edmundo González, que a oposição diz ter somado quase 70% dos votos (enquanto o CNE deu a vitória a Maduro por 51%), está actualmente em Espanha, onde pediu asilo, depois de Caracas ter emitido um mandado de captura em seu nome.
"Violência sexual contra detidos"
Tem havido “um padrão de repressão selectiva para tentar silenciar a oposição política”, disse ao diário espanhol El País Patricia Tappatá, perita da missão que está a investigar os acontecimentos desde 2019, ano em que antiga alta-comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, visitou a Venezuela e falou com Maduro e com opositores, criando um gabinete para a sua equipa no país. “Em alguns casos, prenderam todas as pessoas que deram apoio logístico durante a campanha: o camião a partir do qual falavam, hotéis, restaurantes...”, detalhou Tappatá.
“Todas as detenções ocorrem sem mandados de captura, a força que as prendeu não é identificada e não é dito para onde as pessoas estão a ser levadas. Depois de 28 de Julho, quase todas as detenções são arbitrárias, não há informação sobre o local para onde os detidos são levados e as pessoas não podem nomear um advogado”, explicou ainda. Segundo o diário espanhol, os investigadores documentaram também “um grande número de casos de violência sexual contra os detidos, mulheres e homens”.
As investigações mandatadas pelo Conselho dos Direitos Humanos não são juridicamente vinculativas, mas as suas conclusões podem ser utilizadas pela justiça internacional.