Ser ou não ser regenerativo, eis a questão que o primeiro Regenerative Wine Fest convida a discutir

Quer provar vinhos feitos com o modo da Viticultura Regenerativa? Quer perceber o conceito, ouvir especialistas e divertir-se? No próximo sábado, dê um salto a Estremoz.

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O primeiro Regenerative Wine Fest juntará, a 21 de Setembro, nas Servas, Estremoz, oito produtores que em diferentes regiões praticam uma viticultura regenerativa Jerónimo Heitor Coelho / Herdade das Servas
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O sector do vinho passa por uma crise séria e vimos nós agora dissertar sobre um 'novo' modo de produção de uvas? É isso? É, pois. E faz sentido? Claro, mais do que se imagina.

Sim, a crise — outra — chegou em força a quem vive da produção e venda de uvas (o elo mais fraco da cadeia) e isso tem causas complexas. O cenário resume-se assim: a produção e o comércio de vinho globalizou-se (só falta plantar vinha no Alasca), o consumo cai a pique, a fiscalização da entrada de mosto e vinho em Portugal é tão segura como a cadeia de Vale dos Judeus, os grandes grupos de distribuição só se interessam por margens boas e volume de vendas, independentemente da origem do vinho. Finalmente, por razões económicas, desleixo ou iliteracia, a generalidade dos consumidores não quer saber de onde vem o vinho. Quer apenas vinho bom (frutado, doce e alcoólico chega), bonito e barato.

Se a crise afecta toda a cadeia e todos os segmentos de mercado, é sabido que aqueles que — em diferentes níveis — insistem em fazer a diferença têm melhores oportunidades nos mercados que não se interessam pela tal lei dos três B (bom, bonito e barato). E é neste contexto que entra a Agricultura Regenerativa (AR) ou, mais em concreto, a Viticultura Regenerativa (VR), que leva a que, no dia 21 de Setembro, oito produtores de diferentes regiões se juntam em Estremoz, na Herdade das Servas, para mostrarem à sociedade os seus vinhos e os seus métodos de produção. O Regenerative Wine Fest é o primeiro encontro de viticultores que seguem as regras da viticultura regenerativa, um método pouco conhecido pelos consumidores.

De maneira que comecemos mesmo pelo princípio. A VR é um método de produção que procura uma simbiose perfeita entre o solo, as plantas, o homem e o meio ambiente, sem recurso a produtos fitofarmacêuticos e responsáveis por inúmeros problemas ambientais. Os praticantes da VR defendem e demonstram que um solo bem nutrido e saudável dá origem a plantas saudáveis; plantas saudáveis não necessitam de tratamentos agressivos de espécie alguma.

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Mentor e anfitrião do evento que pretende agregar o maior número de praticantes da VR, Luís Serrano Mira, da Herdade das Servas, confessa que começou a interessar-se pelo assunto por questões de “observação” e “reflexão”. “No tempo dos meus avós e dos meus pais, faziam-se dois ou três tratamentos por ano nas vinhas e isso era suficiente, hoje, em modo convencional, faz-se o triplo ou quadruplo dos tratamentos e as vinhas ficam cada vez mais debilitadas e incapazes de combater as pragas. Ora, isso é assim porque o método convencional promove pobreza nos solos e a debilidade da vida das plantas. Promove um desequilíbrio contínuo no ecossistema. O que faz a VR é inverter o que se fez nas últimas décadas. É regenerar os solos para que estes criem plantas saudáveis, plantas que, saudáveis, vão elas próprias criar um solo com mais matéria orgânica disponível: É aquilo a que chamamos de simbiose perfeita."

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Luís Serrano Mira, da Herdade das Servas, é o anfitrião do primeiro Regenerative Wine Fest, a 21 de Setembro Jerónimo Heitor Coelho / Herdade das Servas

Convém também dizer que na AR não há tempo para crendices ou técnicas esotéricas. Nada disso. O que existe é muita ciência, compreensão do comportamento das plantas e dos solos e substituição de remédios convencionais por preparações à base de produtos naturais, como, por exemplo, algas, bactérias lácticas, vísceras de peixes, lã de ovelha ou melaço. Coisas que já fazem parte do catálogo das grandes multinacionais de produtos fito farmacêuticos porque — lá está — há hoje uma consciência crescente da importância da regeneração e da recuperação dos ecossistemas.

Quer isto dizer que os vinhos criados a partir da VR são diferentes do ponto de vista sensorial? Bom, embora se acredite que vinhos resultantes de solos com um microbioma saudável tenham origem em mostos mais ricos em componentes químicas responsáveis pela estrutura de aromas e sabores do vinho, este não é foco dos viticultores regenerativos. O foco é produzir vinhos que resultem de técnicas que não destruam o meio ambiente e que não afectem a saúde humana.

Seja como for, quem estiver na Herdade das Servas no próximo sábado poderá provar vinhos de oito viticultores regenerativos e tirar as suas ilações. Vinhos da casa anfitriã e os vinhos da Família Nicolau (Lisboa), Quinta da Covela (Verdes), Paulo Coutinho (Douro), Vale dos Ares (Verdes), Adega Mayor (Alentejo), Reynolds Wine Growers e Tapada de Coelheiros (Alentejo).

Paralelamente, os responsáveis destas casas, técnicos de viticultura e de enologia vão, com um académico em solos e com uma especialista em economia e ambiente, participar em quatro conversas livres sobre diferentes temas da Viticultura Regenerativa, numa linguagem acessível para o público que participa no Regenerative Wine Fest. Certificar ou não certificar a VR; o funcionamento das plantas; as técnicas de recuperação de solos ou a VR como factor de competitividade serão os temas a discutir.

Luís Serrano Mira e Renato Neves, da Herdade das Servas, Mário de Carvalho, professor aposentado da Universidade de Évora, Georgete Félix, do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (​INIAV), Sérgio Nicolau (Família Nicolau), Miguel Soares (Covela), Nelson Martins (Reynolds), Miguel Queimado (Vale dos Ares), Francisco Pessoa (Adega Mayor) e João Raposeira (Tapada dos Coelheiros) serão os oradores.

De resto, a competitividade foi a questão que abriu este texto. Num mundo alagado de vinho barato e produzido em qualquer parte, a oferta de marcas que sigam o método da VR, a cultura do vigneron e a garantia da denominação de origem estão obviamente em melhores condições para penetrar no mercado de consumidores que está disposto a pagar mais por produtos alimentares com identidade e que resultam de processos que causam o menor impacto ambiental possível. Esse mercado cresce em determinadas latitudes.

E se isso não significa que os vinhos regenerativos sejam caros, a verdade é que a VR não está interessada em competir no campeonato dos três B's. A não ser que se drible o conceito e se diga a VR é boa para o ambiente, boa para o Homem e boa para garantir o futuro das gerações que se seguem. Assim está certo.

O Regenerative Wine Fest será um espaço de aprendizagem, de prova (vinhos e comida) e de diversão. A entrada de adulto custa 55 euros (inclui prova, almoço, debates e música, evento é das 10h às 18h); entre os 10 e os 18 anos o bilhete custa 20. Crianças até aos nove anos não pagam.

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