Chimp Crazy, a história da “Dolly Parton dos chimpanzés”
Depois do sucesso de Tiger King, Eric Goode tem uma nova série documental, de quatro episódios, sobre pessoas excêntricas e os seus animais exóticos, desta feita chimpanzés.
Tonia Haddix, uma excêntrica enfermeira transformada em intermediária da venda de animais exóticos, diz que lhe chamam "a Dolly Parton dos chimpanzés". Em 2017, tornou-se dona de Tonka, um chimpanzé hoje com 32 anos. Na infância, Tonka, que cresceu em cativeiro, foi visto em filmes dos anos 1990, como Buddy, o Chimpanzé, onde contracenou com Alan Cumming, o subvalorizado Babe - Um Porquinho na Cidade ou George - O Rei da Selva. Só que, se quando são novos, os chimpanzés são fofinhos, domesticados e simpáticos, quando crescem, especialmente se estiverem em cativeiro e em contextos humanos, soltam o carácter selvagem, e isso pode ser muito perigoso. Mesmo assim, pessoas como Tonia, que diz que Tonka é uma espécie de "humanzé", continuam a querer tê-los, tratando-os como filhos humanos. Ela e Tonka são o fio principal de Chimp Crazy, um documentário HBO dividido em quatro partes cujo último episódio chegou à plataforma de streaming Max na semana passada.
Chimp Crazy foi realizado por Eric Goode, que no início dos anos 1980 era artista plástico, tendo-se tornado um dos donos da Area, a discoteca nova-iorquina dos anos 1980 em que amigos seus, como Andy Warhol e Jean-Michel Basquiat, chegaram a tratar da decoração, e que era frequentada por gente que ia de Grace Jones e Dolph Lundgren a Cher, passando por Werner Herzog, John Lurie, Madonna ou David Byrne.
Depois disso, ficou dono de restaurantes e hotéis, mas tornou-se também conservacionista, o que lhe trouxe toda uma nova carreira: a de realizador. Em 2020, assinou, a meias com Rebecca Chaiklin, a série documental Tiger King, que, nos tempos iniciais da pandemia, se tornou um fenómeno gigante na Netflix. Este êxito à escala mundial ajudou a influenciar legislação antitráfico e exibição de felinos exóticos nos Estados Unidos e transformou as coloridas personagens retratadas, especialmente Joe Exotic e Carole Baskin, em estrelas e ícones. Entretanto, houve duas sequelas menos mediáticas dessa série, mas Goode, que tem tempo e dinheiro de sobra para financiar empreitadas do género, tem estado sempre a trabalhar em projectos novos.
E é esse luxo do tempo que o faz seguir pistas e pessoas diferentes do normal, podendo esperar até que algo que não estava planeado aconteça durante a rodagem. Foi mesmo isso que se passou com Chimp Crazy, que começou por ser uma forma de observar e registar pessoas como Tonia, "mães" de chimpanzés. Algumas dessas histórias, que têm muitas vezes desfechos trágicos, são contadas na série e até têm ligações à de Tonka.
Em 2021, Goode iniciou a rodagem do documentário. O primeiro cenário foi a propriedade da treinadora animal Pam Rosaire, na Florida. Seguiu-se Connie Casey, dona da Missouri Primate Foundation, que antes de ser fundação era a Chimparty, uma empresa de aluguer, para aniversários, produções audiovisuais e outros eventos, e de venda de chimpanzés. Haddix trabalhava para Casey como voluntária.
Em 2016, foram processados pela PETA, a People for the Ethical Treatment of Animals, a organização pró-direitos dos animais, pelas más condições em que mantinham os primatas. Haddix sugeriu transferirem a posse dos animais para o nome dela, mas isso não serviu de nada. Foram, na mesma, obrigados legalmente a levar os chimpanzés para um santuário. Só que Tonka não foi com os outros: desapareceu. Haddix disse que ele tinha morrido, mas a PETA, e muita gente, não acreditou. Anunciaram uma recompensa de dez mil dólares (cerca de nove mil euros) para quem o resgatasse, sendo que Alan Cumming, o actor que tem um passado com Tonka e é uma das cabeças falantes do documentário, ofereceu mais dez mil.
Para poder entrar neste universo depois da fama que Tiger King lhe trouxe, Eric Goode não podia dar nem a cara nem o nome. Enganou, admite, Haddix, contratando um realizador por procuração, Dwayne Cunningham, que foi palhaço no célebre circo dos Ringling Bros. e condenado por tráfico de animais. Haddix, que é mostrada em muitos momentos em que claramente acha que ainda não está a ser filmada para o documentário, além de aparecer em solários e a fazer tratamentos à cara, só descobriu que Goode estava envolvido quando um artigo da Rolling Stone contou a história dela em 2022.
Cunningham, que acorda com Haddix esta nunca dizer nem fazer nada que não queira que o mundo saiba, desenvolve ele próprio uma relação de amizade com ela. É algo que terá causado algumas dúvidas a Goode, que surgem mais nas entrevistas que deu depois da estreia da série. Goode tenta lidar com essa decepção e questões éticas que daí vêm no próprio documentário, até em termos do que vai acontecendo e de uma acção que, não entrando em spoilers, acaba por tomar.