Se joga o Crystal Palace, não há golos com camisola fora dos calções

Quando nada o fazia prever, Jean-Philippe Mateta, avançado do Palace, tornou-se uma figura de culto no clube inglês. Até já marca golos e nisso podemos falar de táctica, mas também de indumentária.

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Jean-Philippe Mateta em acção pelo Crystal Palace Paul Childs / ACTION IMAGES VIA REUTERS
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Quando Jean-Philippe Mateta coloca a camisola por dentro dos calções, o assunto é sério. E no Crystal Palace não gostam de brincar com coisas sérias. Assim sendo, não brinquemos também nós e olhemos para este jogador francês como algo mais sério do que alguma vez se pensou que pudesse ser.

Sejamos claros: aos 27 anos, a carreira de Mateta era pouco mais do que banal, se aplicarmos a bitola adequada a alguém que foi internacional francês sub-21, aposta no Lyon e contratado, depois, para a Bundesliga e Premier League.

É certo que nem todos podem ser um Thierry Henry, mas Mateta estava especialmente próximo de falhar esse estatuto. Até que decidiu colocar a camisola por dentro dos calções e tudo mudou.

Os adeptos do Palace têm visto um atacante alto, careca, negro e francês, com camisola por dentro dos calções e com o número 14 nas costas. De repente, sentem que têm mesmo um Thierry Henry.

Nas últimas 25 vezes em que entrou num campo de futebol com a camisola por dentro dos calções, algo que antes não fazia, Mateta marcou 24 golos. Neste sábado, foram mais dois – no empate (2-2) frente ao Leicester, na Liga inglesa, chegando aos quatro em cinco partidas na temporada.

O avançado acabou a temporada passada numa forma tremenda e levou-a até Paris, onde esteve nos Jogos Olímpicos a tratar de oferecer aos franceses a medalha de prata no torneio de futebol. Entre estas passagens no Canal da Mancha, em viagens de ida e volta entre Londres e Paris, Mateta não parece ter deixado cair os golos ao mar.

Imagem à antiga

Mas tudo isto é desde Janeiro, mais coisa menos coisa. Antes disso, chegou a estar oito meses sem marcar na Liga inglesa – e depois mais seis, com interrupção para um mero golinho ao Leicester. No mercado de Inverno esteve para sair e isso fazia sentido: raramente era titular e raramente marcava um golo.

Foi por volta dessa altura que Odsonne Eduard se lesionou e Mateta pôde assumir a titularidade. Foi também pouco depois disso que Oliver Glasner assumiu o comando da equipa, levando um aparente toque de Midas para os golos de Mateta. E, também por esta altura, houve camisola para dentro dos calções.

Os mais cépticos falarão de questões tácticas de Glasner, mas os românticos não deixarão passar o novo estilo. Cedamos, por enquanto, ao romantismo.

Ver um jogador com a camisola por dentro dos calções é uma raridade no futebol actual. Ainda há um ou outro jogador com essa escolha – geralmente, médios –, mas ver um ponta-de-lança nesses preparos é coisa incomum.

Se se tratar de um jogador de 1,93 metros, com pernas longas e físico de impor respeito, então fica um “boneco” giro de se ver – quanto mais não seja pela diferença.

“Eu comecei a jogar futebol assim na juventude e pensei ‘vou fazer isto novamente’. Depois tudo fica mais engraçado quando as pessoas começam a falar disso”, explicou o jogador, à BBC. Darren Bent, internacional inglês com muitos golos na Premier League, chegou a dizer que não vê a ligação entre a camisola e os golos como uma trivialidade.

“Ele fica a parecer mais magro. Ele pode olhar-se ao espelho e pensar ‘estou a sentir-me bem assim’. Se tivermos bom aspecto, sentimo-nos bem e jogamos bem. Nós, os avançados, somos esquisitos. Se apertamos os atacadores de uma certa maneira e marcarmos um golo, podem crer que na semana seguinte vamos fazer exactamente o mesmo”, apontou, aludindo à auto-confiança que Mateta poderá sentir.

É um facto que Mateta não mais tirou a camisola dos calções desde que se tornou goleador – algo que nunca tinha sido. Também por isso – mas não apenas por isso – se tornou uma figura de culto no clube inglês. Passou de dispensável a herói do público em poucos meses, algo desencadeado pelos golos, claro, pela camisola, que é sempre um toque romântico à história, mas também pela celebração à Zlatan, na qual salta, pontapeia a bandeirola de canto e marca o compasso para que o estádio grite “boom!” no momento certo. Mateta adora tudo isto.

Quem o diz? Diz o próprio, mas também o tal número 14 careca. Aquele Thierry qualquer coisa... Thierry Henry. “Ele tem um carisma tremendo, com o ambiente que traz à equipa. Ele é hilariante e goza com toda a gente”, apontou o ex-avançado, treinador da selecção olímpica gaulesa.

O novo treinador

A chegada de Oliver Glasner deu uma roupagem diferente à equipa – roupagem que vai, naturalmente, bem além das camisolas por dentro dos calções. Mateta tornou-se o foco do ataque do Palace, servido por jogadores como Michael Olise (agora Nketiah) e Eberechi Eze.

Henry já chegou a explicar que Mateta é um avançado à antiga – e não apenas pelo estilo no equipamento. “Ele é um atacante à moda antiga, portanto podemos jogar um pouco mais directo com ele, porque ele pode segurar a bola”, explicou. E detalhou.

“De certa forma, ele é um atacante chato de se defrontar, porque não perde muito a bola e anda sempre em cima do último defensor. Também usa bem o físico, é bom de cabeça e marca golos. Um avançado como ele dá-nos outra dimensão. Além disso, foi eleito o melhor jogador do ano no Crystal Palace. Parece-me que ele não é assim tão mau...”, disparou, quando questionado sobre a prioridade que era Kylian Mbappé para a selecção olímpica em Paris.

Henry definiu bastante bem o que é Mateta. Com Glasner, o Palace conseguiu incutir um pouco mais de variedade no ataque. O 3x4x3 deu mais largura com os alas/laterais, enquanto Olise/Nketiah e Ebe, alas associativos por dentro e fortes no um contra um, conseguem mobilizar ajudas adversárias que libertam mais o avançado.

Além disso, permitem a Mateta não se preocupar tanto em dar soluções na construção de jogo, mas apenas em trabalhar em zonas de definição e finalização. A equipa começou também a pressionar e recuperar a bola muito mais alto no campo – só atrás do City nessa métrica.

Tudo isto é música para os ouvidos de um jogador como Mateta e leva-nos a pensar que, provavelmente, os golos vêm daqui. Mas fiquemos com a teoria mais divertida: tudo isto é fruto da camisola dentro dos calções.

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