“Rui Costa não é líder e a liderança não se aprende”, diz Luís Filipe Vieira
O ex-presidente do SL Benfica, Luís Filipe Vieira, quebrou o silêncio sobre o período que o clube atravessa e as mágoas relacionadas com a sua saída.
Luís Filipe Vieira (LFV), presidente do SL Benfica de 2003 a 2021, deu, na passada quinta-feira, uma entrevista à CMTV. Das revelações de contratações que não chegaram a acontecer, a possibilidade de uma candidatura à presidência e os almoços com Pinto da Costa, foras as farpas lançadas ao actual dirigente do clube que deixaram mais marca.
O ex-dirigente do Benfica abre a entrevista com uma salvaguarda: "Não vim aqui lavar o que quer que seja. Vim Falar para os benfiquistas. Já que me fecharam as portas". Depois, passou 1h30 a fazer o seu contrário. Começando por quem acredita que lhe fechou as portas: Rui Costa, actual presidente do Benfica.
"Rui Costa não é líder e a liderança não se aprende"
Vieira apressou-se a pedir desculpa aos benfiquistas por se "ter enganado na recomendação" de Rui Costa. "Já sabia que ele tinha fragilidades ao nível da gestão e, na parte desportiva, surpreendeu-me agora pela negativa", atirou. O pedido de desculpas vem do facto de acreditar que o seu sucessor "não é um líder", característica que, para Vieira, não se aprende.
"Ele é presidente da maior instituição do país. Não pode permitir que o tratem por Rui, nem ele pode andar aí a tratar as pessoas por 'mano'", continuou o antigo presidente das "águias" sobre a informalidade que se sente dentro do clube. "Aquilo é alguma creche?", questionou de forma retórica, antes de assumir que, se continuasse no clube, "Rui Pedro Braz não tinha a atitude que tem, não tinha a liberdade que tem, nem se passeava nos aviões como passeia".
Para Vieira, o clube atravessa "uma crise desportiva e financeira" e enfrenta situações que, se continuarem, podem constituir um "problema grave". Neste sentido, ironicamente, não condena as férias de Rui Costa: "Fez muito bem em tirar férias, se a pressão era demasiada para ele. O Rui não aguenta a pressão que eu aguento".
Schmidt, Lage, Mourinho e Amorim
O empresário, detido em 2021 no âmbito da Operação Cartão Vermelho, acalmou os discursos sobre Rui Costa e passou para as críticas e sugestões de quem, entre o seu mandato e o do seu sucessor, deveria ter sido o treinador do SL Benfica.
Não critica a demissão de Roger Schmidt, na quarta jornada, pois admite que também ele despediu um treinador na primeira, referindo-se a Fernando Santos. Aliás, este último já o perdoou e continuam "bons amigos". Da experiência, retirou uma lição: “nunca mais escolhi um treinador pressionado, escolhi quem eu quis”. Como exemplos fala da manutenção de Jorge Jesus, "contra tudo e contra todos, inclusive Rui Costa".
Apesar de ter adoptado essa estratégia, assume nunca ter sido impositivo. "Nunca impus um treinador, falei sempre com a estrutura. Se tivesse imposto, se calhar Rúben Amorim era hoje nosso treinador", contou.
Na altura da primeira vinda de Bruno Lage, Vieira estaria "em negociações com o Zé". O "Zé" é José Mourinho, como clarificou de imediato. Lage acabou por ficar, "o treinador mais caro da I Liga". Considera-o "bom treinador, com muita intensidade e boa comunicação", apesar de a segunda época não ter corrido bem "porque lidou mal com a crítica mediática".
O ex-dirigente que conseguiu 22 títulos no futebol das "águias" acredita que Lage "não foi a primeira opção de Rui Costa". Se fosse, "anunciava a saída de Schmidt de tarde e a vinda de Bruno Lage de noite".
Sobre Schmidt também teceu elogios. "Ganhou o primeiro campeonato, lançou um jogador que era um suplente da equipa B, o célebre João Neves, lançou o António Silva e dificilmente outro treinador lançaria esses dois jogadores", relembrou. Contudo, na segunda época "tudo correu mal e cometeu o erro de ofender a massa associativa do Benfica", referindo-se ao momento em que Schmidt disse que os adeptos que não estivessem felizes deviam ficar em casa. Para Vieira a atitude valia "no mínimo, um processo disciplinar".
Questionado sobre Sérgio Conceição, Vieira foi breve: "Só se fosse presidente do Benfica é que avaliava, mas reconheço que é um grande treinador".
Compras e vendas
O empresário continuou, ao longo da entrevista, a reforçar os problemas financeiros vividos pelo SL Benfica e a forma como estes se têm reflectido nas transacções.“Ele encarnava o espírito do Benfica, tinha uma relação com a massa associativa fantástica e era um jogador fabuloso, uma empatia com a massa associativa que nunca tinha visto, nunca vi um jogador tão adorado", disse referindo-se a João Neves que rumou ao Paris Saint-Germain.
Contudo, "deve ter acontecido o mesmo que aconteceu com Rúben Dias. Só o vendemos porque não nos apurámos para a Liga dos Campeões" e, portanto, porque "o Benfica não tinha tesouraria". "Mais valia vender três ou quatro monos que ali andam e ter ficado com o João Neves", concluiu o tema, sem especificar a quem se referia.
Sobre coisas que ficaram por fazer, fala da estrela dos "leões": O Gyökeres estava identificado e disseram 'nem pensar comprar um jogador da segunda divisão'. Preferiram comprar o Schjelderup e o Tengstedt. Gastaram 30 milhões de euros nisto, mais caro do que o Gyökeres".
Vai mais uma volta presidencial?
Sobre a possibilidade de voltar a ser presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira assumiu que aprendeu a "nunca dizer 'nunca'". Ainda assim, recusa a existência de qualquer plano ou intenção nesse sentido, mesmo achando que se se candidatasse ganhava. "Fui eu que me despedi", relembrou o ex-presidente. Ainda assim, recebe "muitas mensagens a pedir para voltar".
Não vê a sua posição perante a justiça como um entrave, já que acredita que será "ilibado de todos os processos". A questão é pessoal. “Neste momento o meu objectivo é a minha família, estive num julgamento, muita gente do Benfica foi ingrata para comigo. O Nuno Costa tirou-me os bilhetes para ir ver o Benfica, nem são bilhetes que se vendam, e o presidente do Benfica não teve a humildade de dizer que não", contou.
“Tudo isto destruiu muito a minha família” disse a conter as lágrimas. “Destruíram muito, os meus filhos, os meus netos e isso para mim é imperdoável. Há pessoas lá dentro que sabem que eu era incapaz de fazer aquilo e não foram solidários comigo", continuou.
No fundo, não avança com uma candidatura para proteger a família de críticas e novo escrutínio. “Se eu não proteger os meus quem vai proteger?” diz lavado em lágrimas. "Estragaram-nos a vida, perseguiram-nos, disseram mentiras, estragaram a vida ao meu filho. Sabe o que é ter um neto na escola, que chega a casa e diz 'Avô, disseram que tu roubaste o Benfica'?”, desabafou Vieira.
Sobre sair numa posição menos digna, é solidário com Pinto da Costa, ex-presidente do FC Porto. "Quando as pessoas caem não devemos hostilizar. Com um homem que tem 86 anos, gravemente doente... tenho almoçado algumas vezes com ele", contou à CMTV.
Não se candidata, mas também não assume apoiar ninguém "até Agosto do próximo ano". "Rui Costa tem mandato até Outubro de 2025. É indecente alguém, neste momento, andar a preparar eleições. Rui Costa tem legitimidade para ser presidente do Benfica. Posso discordar muito dele, mas ele tem toda a legitimidade para ir até 2025. Criar esta perturbação neste momento só pode destabilizar o Benfica", explicou.
De forma breve, sem grandes explicações, e ainda no tema presidencial, Vieira assume que todo o clube e benfiquistas teriam descanso "se Eduardo Stock da Cunha fosse candidato a presidente do Benfica".