A falar brasileiro

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Os artigos escritos pela equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil.

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O primeiro choque de todo imigrante zuca recém-chegado em Portugal é descobrir que não fala — nem nunca falou — português. Sim, por mais estranho que isso possa parecer, fomos alfabetizados em outro idioma, o brasileiro.

Lembro-me como se fosse hoje quando cheguei aqui e, num convescote familiar, fui abordado por jovens primos que, embalados pelo sucesso de youtubers como Luccas Neto em terras lusas, me pediam, em coro: “Fala brasileiro!”. Ingenuamente, coloquei uma vírgula entre as duas palavras e assumi aquilo como um comando. E o brasileiro começou a falar. Emendei um diálogo tímido, com algumas palavras locais, no que fui frontalmente interrompido: “Não, primo, fala brasileiro!!!”. E assim a ficha me caiu. Ou caiu-me, talvez.

Nosso idioma é uma verdadeira relíquia. É a última flor do Lácio, inculta e bela, falada em quatro continentes do planeta. Basta observar que qualquer guia do estilo doing business, escrito para orientar empresários de países lusófonos interessados em estabelecer relações comerciais entre si, exalta a identidade idiomática como uma grande virtude facilitadora para os negócios.

Não por acaso, um estudo recente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) indicou um crescimento das economias dos países da CPLP, além do aumento do estoque de investimento estrangeiro do grupo no Brasil, puxado por Portugal. A ApexBrasil aponta mais de 1.400 oportunidades de negócios para empresas brasileiras nos países da CPLP, e cita o exemplo de grandes companhias, como a WEG, que vem fazendo investimentos expressivos nos países lusófonos.

Se há, portanto, evidências empíricas mais do que suficientes acerca do valor e da importância econômica de se falar o mesmo idioma, a quem interessa propagar o contrário? Somos já distintos em tantos aspectos que não há razão producente para criar — ou fomentar — um separatismo linguístico e que ignora o fato — evidente — de que as semelhanças são muito maiores do que as diferenças.

Por favor, e com todo o respeito a quem pensa diferente: paremos com essa coisa de querer separar o que a história, e muito bem, uniu. Ou melhor: escusemos de fazer essa cena, se faz favor. É démodé.

Tem sido uma delícia (re)aprender o português e descobrir a riqueza de uma língua que consegue ser, ao mesmo tempo, tantas e uma só. E encontrar expressões que, desavergonhadamente, incorporei ao meu vernáculo e que me pergunto como pude viver tanto tempo sem conhecer: Se calhar, o Vasco ganha hoje. Pá, achas? Pois, não sei, vamos ver como corre.

Vou te dizer uma coisa, ou vou dizer-te uma coisa. Próclises e normas cultas à parte, tanto faz. A ordem do pronome não é mais importante e nem altera aquilo que será dito. Estou a escrever, mas estou escrevendo também, por que não? Escusem de matar o gerúndio: ele é a valorosa maneira que a língua encontrou para espelhar o dinamismo da vida. E tampouco o autor deste artigo, que nem vale tanto assim. Mas, mais do que isso: sigamos viagem e deixemos Camões descansar em paz. Vamos a isso?

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