Harris contra Trump

Viu-se bem o contraste entre a calma e a sensatez e um homem que não sabe o que fazer do desespero.

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Diz-se contra porque nos EUA prevalece o espectáculo do confronto. Raramente um debate é tão pouco debate. Os EUA, que levam tanta gente ao leme, e muitas vezes a nós, fazem da coisa pública um artifício para crianças.

A ideia é sempre atropelar o outro. Ora, depois de um debate em que Biden se atropelou a si mesmo, Harris surge como a única resposta possível no campo democrático, num cenário em que uma parte considerável do eleitorado nada exige a Trump. Nem os crimes legais nem morais têm servido para causar problemas, porque para o rei da política-espectáculo a megalomania é credo. A sua campanha, hoje como no passado, baseia-se na criação de uma figura à Kim Jong-un. Desta vez, Trump diz-se até o único a poder evitar nova guerra mundial – ele que apoia os campeões do armamento – e garante que vai acabar com a guerra na Ucrânia mesmo antes de ser eleito presidente.

Viu-se bem o contraste entre a calma e a sensatez e um homem que não sabe o que fazer do desespero. O descontrolo é tanto que demos por Trump a acusar os imigrantes de andarem a comer cães e gatos pelas ruas. Só a sugestão já é degradante, tais como o seu descontrolo emocional e a sua pobreza moral e política: Trump opinou sobre documentos que não leu, teve o desplante malcriado de se referir a Harris, ao seu lado, pelo pronome em vez do nome, gabou o seu projecto sem dizer em que consistia e elogiou-se a torto e a direito sem entender que os adjectivos não servem para nada. Na boca de Trump, a língua serve para mascarar uma versão: em vez de dar um argumento que leve a uma conclusão, afirma a conclusão. Intelectualmente, nem dentro do medíocre chega a ser razoável.

Sobre Gaza, Harris tentou o discurso cinzento que só pode agradar a um lado, até porque ninguém esquece os soldados financiados pela presidência Biden a dar cabo de crianças. O seu discurso não bate certo com a vida – sobretudo, não bate certo com a morte. Aqui, o que foi tratado como uma formiga é o elefante que está a estilhaçar a sala.

Ainda assim, quem viu o debate viu o óbvio: Kamala Harris tem as ideias arrumadas na cabeça, usa argumentos, sabe que as frases têm significado, olha mais para o país do que para o tamanho do seu ego, não perde a política em teorias da conspiração, não faz do absurdo o seu campo de patinagem e, claro, não é Trump.

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