Do outro lado da linha, a voz de Nuno Mendes soa como um entusiasmo de criança que recebeu um brinquedo: “Vou poder fazer doces conventuais num convento!”. O chef português, que vive em Londres há várias décadas, prepara-se para abrir um novo projecto em Lisboa, depois da Cozinha das Flores, no Porto, e o espaço que o aguarda é precisamente a antiga igreja do Convento de Santa Joana (séc. XVII), na Rua de Santa Marta, em Lisboa.
“Estou super entusiasmado, é um sonho enorme. Tinha saudades de estar em Lisboa. Adoro o Porto, mas isto é que é realmente voltar a casa”, diz Nuno, que já teve na capital o projecto do BAHR, no Bairro Alto Hotel, do qual saiu em 2022. “Andava à procura do projecto certo em Lisboa”, confidencia. E ele apareceu-lhe sob a forma deste restaurante Santa Joana no hotel Locke de Santa Joana, inaugurado em Julho perto do Marquês de Pombal.
Quando a Fugas visitou o local, ainda decorriam os últimos detalhes das obras, mas a antiga igreja já estava transformada no espaço que os clientes poderão encontrar a partir do início de Outubro quando as portas abrirem oficialmente – com design de interiores assinado por Lázaro Rosa-Violán e Post Company, há dois espaços distintos, um, na zona por onde entramos, mais amplo e mais claro, com um pé direito alto aproveitando a estrutura, e outro, do lado esquerdo da sala, de tons mais quentes, que criam um clima mais íntimo e com pequenos nichos onde foram mantidos os azulejos originais.
Na conversa telefónica, ainda a partir de Londres, Nuno explica-nos o que poderemos encontrar quando o Santa Joana abrir. A história que aqui quer contar é a de uma cidade que tem ainda muito de tradicional, mas “é cada vez mais cosmopolita e aberta ao mundo”.
“Quando voltei a Portugal, há uns dez anos, senti a necessidade de falar só da cozinha portuguesa”, conta Nuno Mendes. “Eram as saudades. Mas agora Lisboa mudou e já podemos falar de um encontro entre a Lisboa antiga e ao mesmo tempo celebrar a cidade de hoje.”
Não quer que o Santa Joana seja um fine dining, com menu de degustação. Pelo contrário, o que quer é criar um espaço descontraído e divertido, numa parceria com a empresa britânica White Rabbit, “incubadora de hospitalidade e restauração” baseada em Londres e responsável pelos conceitos de restauração do Locke de Lisboa, que com os seus 370 quartos espalhados por três edifícios (dois do antigo convento e um novo), é o maior projecto desta cadeia fora do Reino Unido.
Quem entra no Santa Joana tem à direita uma cozinha aberta que se focará mais em preparações de crus e frios, marisco (a ideia é ter ostras de três proveniências diferentes em Portugal, a ria Formosa, a ria de Aveiro e o rio Sado), peixe ligeiramente marinado. “O ponto de partida é sempre o produto”, sublinha o chef. “Esse é um dos grandes luxos de trabalhar em Portugal.”
Da outra cozinha, que não é aberta, sairão os pratos mais trabalhados, que na carta se dividem entre os acepipes (por exemplo, corações de galinha com molho picante de pica pau ou tosta de farinheira com camarões e algas); pratinhos (um deles será com tomate coração de boi e batata doce algarvia, outro com lula fumada e caril português, uma conjugação que entusiasma especialmente Nuno e mostra bem o que pretende fazer aqui); pratos maiores (onde entra a presa de porco alentejano com um molho de nozes, que, na descrição do chef, “quase toca o mole mexicano”); para partilhar (um pregado, um arroz caldoso de mariscos, entre outros); e, por fim, os acompanhamentos.
Uma das ideias que Nuno Mendes ainda gostaria de trabalhar anda à volta do frango. “Adorava celebrar o frango português”, anuncia, passando a explicar que a ideia é servi-lo de três formas diferentes, a pele com o molho da Bairrada, o peito como canja e o resto numa cabidela.
Ideias não lhe faltam e está a desenvolvê-las com o chef executivo que escolheu para ser o seu braço direito no Santa Joana, Maurício Varela. “Gosto muito da energia que ele tem na cozinha, senti uma grande afinidade com ele”, diz, sobre o chef que anteriormente esteve no bar Dahlia, junto ao Cais do Sodré.
Para as sobremesas – incluindo os doces conventuais do início desta conversa –, Nuno Mendes conta com a chef pasteleira do Locke (responsável também pelo café Castro’s, situado junto à recepção para quem entra pela rua Camilo Castelo Branco), Maria Ramos, que esteve com Nuno no BAHR. “É uma pessoa em quem confio muito e quero que sinta que este projecto é também dela.” Vindo igualmente do BARH, o chef executivo de todo o hotel (que inclui o restaurante Santa Marta, já a funcionar, de cozinha mediterrânica) é Nuno Dinis.
Para além de trabalhar com esta equipa e com os “parceiros incríveis” que são a White Rabbit, Nuno Mendes está contente porque, apesar de situado dentro do hotel, o Santa Joana está num edifício independente e tem uma ligação com a rua (a entrada para o restaurante deve ser feita pela rua de Santa Marta) e porque “estamos no centro, mas saímos um bocadinho da zona de maior concentração de restaurantes”.
É aqui, neste cenário onde se guarda alguma memória dos tempos conventuais, que dentro de algumas semanas Nuno estará a apresentar o seu menu, a celebrar os produtos portugueses e a festejar este “regresso a casa”. Até lá, é seguir as novidades no Instagram do Santa Joana.