Presidente da República condecora Augusto M. Seabra postumamente
Marcelo Rebelo de Sousa tornou este sábado postumamente o crítico cultural Comendador da Ordem de Sant’Iago da Espada.
O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa condecorou este sábado o crítico cultural Augusto M. Seabra, a título póstumo, tornando-o comendador da Ordem de Sant’Iago de Espada, durante as últimas homenagens ao fundador do PÚBLICO no Picadeiro Real, em Lisboa. “Uma coisa que ele nunca aceitaria em vida. Não só não aceitaria, como faria sobre isso uma crónica impiedosa”, disse o chefe de Estado na cerimónia.
Amigo e antigo colega de Augusto M. Seabra no jornalismo, Marcelo Rebelo de Sousa já tinha declarado na quinta-feira, dia da morte do crítico e programador cultural, que este “encarnou como poucos no Portugal contemporâneo a figura do crítico cultural". Este sábado, entre a solenidade e algum humor, elogiou no salão do antigo Museu dos Coches a decisão da ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, também presente, de ali ter acolhido as homenagens fúnebres de Seabra. E, ao entregar o título honorífico à família, brincou: “É uma espécie de vingança pelas horas e horas e horas em que vi o meu gabinete invadido no Expresso por ideias novas, fascinantes”, mas sobretudo, mais sério, como um reconhecimento de “décadas e décadas ao serviço de Portugal”.
A Ordem Militar de Sant'Iago da Espada distingue o mérito literário, científico e artístico e comporta os graus de cavaleiro ou dama, oficial, comendador, grande-oficial e grã-cruz e ainda o grande-colar. António Lobo Antunes, Manuel Alegre ou Sophia de Mello Breyner foram distinguidos com esta honraria, sendo a escritora a primeira mulher que não tenha sido chefe de Estado a receber o grau superlativo da mesma — o grande colar.
Augusto M. Seabra, de 69 anos, morreu na quinta-feira no Lar Santa Joana Princesa, em Lisboa, na sequência de vários problemas de saúde que o vinham debilitando há anos. Crítico há 47 anos e colaborador de publicações de referência portuguesas como o semanário Expresso ou o PÚBLICO, era um nome essencial na análise da política cultural, para lá do seu papel como crítico de cinema, música clássica ou contemporânea, ópera, teatro e dança. Polemista e conhecido nome da cena cultural portuguesa desde o final da década de 1970, conheceu Marcelo Rebelo de Sousa um pouco antes do 25 de Abril, como disse este sábado o Presidente.
“E depois privámos no Expresso. Foi uma experiência fascinante. Era um grupo dissidente que havia no Expresso, que contestava a estrutura unitária concebida para a luta antes do 25 de Abril. Era uma luta política; passou a ser uma luta política e cultural depois do 25 de Abril. O aparente líder era o Vicente Jorge Silva mas o verdadeiro líder era o Augusto”, contou Marcelo Rebelo de Sousa, referindo-se assim a dois dos fundadores do futuro projecto do diário PÚBLICO.
Elogiou o facto de Seabra ter emprestado “o seu génio e a sua visão global àquele grupo”, de ter estado na génese da “autonomia do Expresso - Revista”, importantíssima publicação e suplemento cultural da época.
O Presidente recordou a “energia inesgotável”, a “imaginação impagável” do crítico. “Nunca pediu licença para fazer nada na vida. Fez.” E sublinhou a sua “lucidez e visão de futuro”.
“Era capaz de criticar mas era capaz de criar à antiga. Era o único a criar a figura do crítico cultural. Havia, na resistência à ditadura, críticos cinematográficos, literários, teatrais. Não havia um crítico cultural global. Só me lembro do Augusto. Para se ser um crítico cultural global é preciso ser-se muito culto, muito informado, com aquela prodigiosa memória e, mais importante”, utilizar essa memória “projectando-a para o futuro, e tendo uma visão global das culturas e das políticas culturais”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.
Na mesma intervenção, sorriu enquanto recordou um homem “totalmente irreverente, totalmente incontrolável, totalmente imprevisível, totalmente fascinante por isso. Arrastava-nos para as posições mais espantosas e inesperadas — que podia ser uma pateada a um espectáculo —, e não pensava duas vezes nas consequências que teria.” Politicamente, “provocava crises, provocava demissões, mas não provocava em bicos de pés. Não era vaidoso.”