Saúde: vão ser criados 20 “centros de saúde” geridos pelos privados e sector social

Estarão previstas restrições que impedem que médicos em funções em centros de saúde ou USF modelo B transitem para este novo modelo, para evitar que as novas USF “canibalizem” os recursos do SNS.

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A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, durante a conferência de imprensa de balanço do Plano de Emergência e Transformação da Saúde em Lisboa ANTÓNIO COTRIM / LUSA
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A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, anunciou esta quarta-feira, em conferência de imprensa para balanço dos primeiros três meses do Plano de Emergência e Transformação na Saúde, que vão ser criadas 20 unidades de saúde familiar (USF) modelo C em Lisboa, em Leiria e no Algarve e que serão atribuídas por concurso aos privados e ao sector social para dar resposta a cidadãos que não têm médico de família. Por reconhecer que as pessoas estão pouco familiarizadas com estas "siglas", a ministra simplificou, chamando-lhes "centros de saúde".

A abertura destas unidades - que actualmente funcionam nos centros de saúde públicos com equipas de médicos, enfermeiros e secretários clínicos - aos sectores privado e social já está prevista na lei desde há muito, mas nunca tinha avançado. Dez destas unidades vão ser criadas em Lisboa, cinco em Leiria e cinco no Algarve porque estas são as zonas mais carenciadas no país, explicou Ana Paula Martins. O decreto-lei que formaliza a criação destas USF modelo C vai ser aprovado esta quinta-feira em Conselho de Ministros e duas destas unidades serão iniciadas já "com municípios", que são para este Governo parceiros estratégicos e fundamentais na saúde de proximidade, disse a governante.

A ministra garantiu que o objectivo é continuar a alargar o modelo das USF modelo B - que "continua a ser prioritário e "tem revelado resultados muito promissores" - mas disse que enquanto o país não estiver todo coberto com este tipo de USF, o Governo entende que deve optar por "medidas complementares". Ana Paula Martins acredita que as USF C podem ser atractivas para determinadas regiões do país ou faixas etárias, como médicos mais jovens ou reformados que se queiram associar em cooperativas.

Por seu turno, a secretária de Estado da Gestão da Saúde, Cristina Vaz Tomé, admite que o Governo tem preocupações com o risco de a criação das USF modelo C vir a “canibalizar” os profissionais que estão actualmente a trabalhar no SNS, pelo que o decreto irá prever restrições que impeçam que médicos em funções em centros de saúde ou USF modelo B transitem para este novo modelo, que terá outro tipo de incentivos associados ao desempenho. "Vamos criar formas de condicionar temporariamente mas, por outro lado, vamos querer captar os recém-especialistas", explicou Cristina Vaz Tomé, explicando que o objectivo é "não esvaziar o SNS", nem criar competições entre os diferentes modelos de resposta existentes.

A secretária de Estado reafirmou que o objectivo é, até ao final do ano, conseguir dar médico de família a mais 200 mil portugueses, quer com a actualização dos contactos em curso no Registo Nacional de Utentes, quer com novas parcerias com o sector privado e social.

Criar urgências metropolitanas

Durante a conferência de imprensa, Ana Paula Martins reconheceu que nem tudo correu bem nestes primeiros três meses de implementação do plano de emergência. No último domingo, tivemos 17 urgências de portas fechadas, a grande parte de obstetrícia e isto não pode acontecer, reconheceu, transferindo, contudo, a responsabilidade pelo ocorrido para as administrações das unidades locais de saúde (ULS) que, segundo as suas declarações, têm de garantir a sua missão de saúde publica e uma gestão eficaz dos seus quadros.

Também nos preocupa o número de bebés nascidos em ambulâncias. No próximo Verão esta situação não poderá voltar a acontecer, defendeu, para garantir que a tutela vai continuar a trabalhar naquela que classificou como a verdadeira reforma da obstetrícia. É uma transformação estrutural ambiciosa, mas realista”, disse, garantindo que não irá desistir perante eventuais resistências. "Uma coisa posso garantir, não nos vamos resignar perante as dificuldades", afirmou.

Questionada sobre se uma das medidas para fazer face à falta de recursos na obstetrícia poderá passar pela concentração de recursos, a ministra deixou essa possibilidade em aberto. "Em Lisboa e Vale do Tejo, e nomeadamente em Lisboa e na Península de Setúbal – não excluímos naturalmente outras zonas – em conjunto e sempre em conjunto com os hospitais, com os profissionais e com os autarcas, encontraremos forma de garantir que os recursos se organizem em urgências metropolitanas", disse, anunciando também que passará a haver um momento de pre-trigem na urgência por um enfermeiro especializado em obstetrícia para aferir se se trata de uma verdadeira urgência.

Num balanço relativo à linha SNS Grávida, a ministra da Saúde adiantou que, entre Junho e Agosto, foram recebidas 25.718 chamadas, das quais 3666 mulheres foram aconselhadas a ficar em casa e 3685 foram encaminhadas para cuidados de saúde primários. Ou seja, 28,6% das grávidas que ligaram para esta linha de saúde não tiveram necessidade de se dirigir a um serviço de urgência, dando lugar a 17.910 casos verdadeiramente urgentes.

Menos obstetras nos blocos de partos

Questionada pelos jornalistas sobre que reforço terá a área da ginecologia e obstetrícia, Ana Paula Martins assegurou que está a ser estudado um “modelo de remuneração e de incentivos para voltar a atrair as equipas de obstetrícia para o Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, que tem vindo a perder profissionais.

A ministra adiantou que a medida está entre as primeiras a ser aplicadas, a par da adaptação do número de profissionais médicos necessários para manter os blocos de partos abertos, que já está aprovada e em funcionamento. “Em colaboração com o colégio de obstetrícia da Ordem dos Médicos foi feito um reajustamento do número de obstetras por equipa em função do número de partos. Esta medida já foi comunicada às nossas ULS”, disse ainda.

Como o bastonário dos médicos referiu ao PÚBLICO, ainda em Agosto, “actualmente, há urgências que fecham com o mesmo número de médicos que outras que continuam abertas. Isto não pode acontecer. A resposta tem que ser mais uniforme no país”. E exemplificava: “Se em vez de três obstetras uma urgência tiver só dois, não tem de fechar. Não pode trabalhar em pleno porque não tem a equipa mínima [definida pela Ordem dos Médicos num regulamento aprovado em 2022], mas pode fazer um determinado tipo de actividades. Temos que reformular estas equipas.”

As mudanças a implementar nesta área estão a ser estudadas pela tutela em conjunto com a comissão criada para reorganizar as urgências obstétricas, liderada por Alberto Caldas Afonso, e deverão ser implementadas até ao final do primeiro trimestre do próximo ano. Ana Paula Martins lembrou também a requalificação dos blocos de partos em curso, promovida pelo anterior governo e direcção executiva do SNS, para lembrar: "É muito importante que consigamos associar à linha grávida do SNS 24 um segundo momento de pré-triagem nessas mesmas maternidades. No fundo, ter alguém especializado, um enfermeiro especializado em obstetrícia, que possa encaminhar a situação." "Estamos sempre a falar de retirar da urgência aquilo que não precisa de estar naquela urgência", terminou.

No que respeita ao plano para recuperar as cirurgias oncológicas que ultrapassavam os tempos máximos de resposta garantidos (TMRG), o OncoStop2024, entre 1 de Maio e 30 de Agosto, foram realizadas 25.800 cirurgias oncológicas a doentes com cancro. De acordo com o balanço, este valor representa um crescimento na ordem dos 15,8% face às cirurgias realizadas no período homólogo de 2023.

Questionada sobre as críticas que têm sido feitas à forma como estão a ser realizados os concursos para a contratação dos recém-especialistas, como o PÚBLICO tem noticiado, Ana Paula Martins admitiu em particular "preocupação com a demora na colocação dos especialistas em medicina geral e familiar" e admitiu que no concurso de Novembro terão de "alterar a metodologia", admitindo voltar ao modelo que vigorava anteriormente de um concurso nacional gerido centralmente pela ACSS.

Oito medidas "concluídas"

O Plano de Emergência e Transformação na Saúde que o Governo apresentou em Maio incluía medidas de curto, médio e longo prazo. A ministra foi "obrigada" a fazer este balanço público depois de, na quinta-feira passada, o Observador ter adiantado que a maior parte das 15 medidas definidas como "urgentes" ainda estavam em curso, e cinco dadas como finalizadas estavam ainda em curso, apesar de o prazo para a sua conclusão se ter esgotado nesse dia, como deram conta alguns especialistas contactados pelo jornal.

Entre estas medidas figuravam a atribuição de incentivos financeiros aos profissionais a partir de determinado número de partos, a requalificação dos espaços de serviços de urgência, a afectação de médicos de família aos utentes com a capacidade actual do sector público (o Ministério da Saúde anunciara a contratação de 900 recém-especialistas), a criação de um programa estruturado de saúde mental para as forças de segurança e a contratação de psicólogos. Nessa quinta-feira, no portal do Serviço Nacional de Saúde, dez das 15 medidas passaram a ser consideradas “concluídas”. O Ministério da Saúde comprometeu-se, então, a explicar de que forma é que as medidas urgentes já tinham sido concretizadas, o que está justamente a fazer agora.

Na conferência de imprensa desta quarta-feira, na contabilidade das medidas "urgentes", a ministra especificou que oito estão totalmente concretizadas e que em duas está-se mesmo “a ir mais além” do que estava previsto, enquanto “seis estão em curso e uma não conseguimos ainda implementar”.

Algumas destas medidas “têm procedimentos e constrangimentos legais”, justificou, garantindo que o Governo não vai desistir de as concretizar. Estas “não são contas finais”, mas sim “o princípio de uma caminhada”, e “o início da transformação, que é necessária, do SNS”. “Há muita coisa que só se resolve com tempo”, admitiu.

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