Maria João lança seu trigésimo disco, desta vez, em parceria com o brasileiro André Mehmari

A grande dama do jazz português apresenta Algodão, um álbum que os dois músicos caracterizam como uma aventura. Editado pela Galileo Music Germany, terá lançamento mundial em 6 de setembro.

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A cantora Maria João, que está lançando o disco Algodão, tem paixão pela música brasileira Jair Rattner
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A capa do disco traz flores de algodão, que cobrem uma imagem quase apagada dos músicos Maria João e André Mehmari. O nome do álbum foi uma escolha da cantora. "Algodão é um nome que mostra a leveza desse encontro de nós dois, essa coisa branquinha e fofa que representa para mim a nossa relação. Eu gosto muito do André, para mim, ele é um amigo e uma referência”, diz Maria João.

Os dois começaram a trabalhar juntos no Brasil, há cerca de sete anos, com quatro shows e um disco. Ele chama a cantora da mesma forma como os amigos dela em Portugal: a João. “Começou com um projeto que ela fez para o selo SESC, com a obra de Aldir Blanc, em que eu fui convidado a colaborar. Desde então, a gente acalenta esse projeto que se tornou o Algodão. Mas conheço a obra da João como um grande fã, e hoje eu tenho a alegria de tê-la como parceira”, afirma Mehmari.

Segundo Maria João, a proposta de gravarem esse disco juntos foi de Mehmari. “O disco, para mim, é um privilégio e uma felicidade. Meu queixo sempre cai quando o vejo tocar todos os instrumentos e mais alguns, e apareceu a ideia do disco. O André é que teve a ideia. Ele fez grande parte das músicas. Todos os dias, ele trazia uma música nova, nem dava para aprender direito”, lembra a cantora.

Mehmari diz como é tocar para Maria João. “Fiquei desde sempre muito impressionado e admirado com a capacidade da João de dar voz ao mundo. A voz dela são várias vozes. É a voz da pluralidade, da inclusão. São vários gritos ali naquela voz, que são muito humanos, necessários”, ressalta.

Para Maria João, o que Mehmari traz e que a impressiona é a sensação de liberdade. “O que me atraiu na música dele foi a aventura. Eu sou muito aventureira, também. Eu, por vezes, canto com outros músicos que não têm essa aventura, e isso me causa imensa aflição. Para o André acontece o mesmo. Às vezes, ouço-o tocar com parceiros, vejo que ele está ali aperreado, agarrado à forma, agarrado ao acompanhamento para ajudar o outro", frisa.

Maria João acrescenta que o músico lhe fez um dos maiores cumprimentos que já teve na vida. "Ele disse: João, você é o meu parceiro musical com quem eu sinto mais liberdade”, conta. Para ela, o que permite ir mais longe no que canta é não ter medo de errar.

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Capa do disco Algodão, que tem 11 músicas Divulgação

Música brasileira

O álbum Algodão conta com 11 músicas. Duas delas são de Guinga, ou, como Maria João o chama, Mestre Guinga, com quem ela já tinha gravado o disco Mar Afora. “Uma aluna tinha feito um programa de meia hora com canções de um tal de Guinga. Fui ouvir e fiquei absolutamente apaixonada. Aconteceu que um mês depois eu recebi um telefonema com uma pessoa dizendo: Guinga gostaria de convidar você para cantar o repertório dele”, conta.

Questionada sobre o que a música brasileira significa para ela, Maria João diz que faz parte da sua formação. “Para mim, a música brasileira é um amor e uma casa. Desde sempre. Quando era mais nova, havia música brasileira que tocava na rádio, havia a bossa nova e muitos artistas que vinham para Portugal”, lembra.

Ela diz que dois discos com cantoras brasileiras foram fundamentais na sua formação. “Quando comecei a cantar, dois discos foram os mais importantes: Flora Purim live at Montreaux e Elis Regina live at Montreaux. Elis é a maior, é uma coisa, aquela artista. E a Flora Purim, que não era bem jazz, mas também não era bem música brasileira”, afirma.

Outro músico brasileiro com quem Maria João trabalhou foi Egberto Gismonti. “Eu adoro o Egberto. Ele é um espírito livre, mas muito complicado de se lidar. Ele é difícil, arranjou bronca com os produtores em todos os lugares, e eu só dizia: Ainda bem que não é comigo” conta.

No entanto, Gismonti chegou a dar uma bronca nela. “No primeiro concerto, ele ficou muito irritado comigo, porque eu trouxe toda a minha bagagem jazzística, de improvisar em todo momento e fazer comentários. No final, mal saímos do palco, ele me chamou e disse: Venha cá, menina. Você não me deixa tocar, você não me deixa explicar, eu ponho uma ideia e você já está em cima. Odeio jazz”, relata.

Mas ela conseguiu lidar com Gismonti: “Ele é muito controlador. Eu só pedi a ele, numa dada altura: ‘Egberto, em qualquer lugar, tenho que estar sozinha, porque preciso soltar os meus cavalos. Mesmo assim, ele é que decidia quando é que eu fazia os solos e quando eles acabavam”. Ela considera que ter feito uma turnê com Gismonti foi um privilégio. “Chorei tanto no último concerto. Não queria que acabasse”, enfatiza.

Maria João também dividiu o palco com Gilberto Gil. “Ele é uma delícia de senhor”, derrete-se. Foram quatro concertos, um em Lisboa, outro na Tunísia e dois na Bahia.

Ela conta que aprendeu com Gil. “Ele perguntou o que eu queria cantar, e eu sugeri Beatriz, que considero um hino do Brasil. E perguntei: ‘O, Gil, eu devo fazer isso em português de Portugal ou em português do Brasil? E ele olhou para mim estarrecido e disse assim: Mas meu bem, não é tudo a mesma língua?”, recorda.

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A cantora Maria João: "Faço música que eu amo e que tenha aventura" Divulgação

Jazz ou não jazz

Sobre a mistura entre jazz e música brasileira, Maria João não assume rótulos. “Eu não sei definir. Deixo isso para quem saiba. Eu faço música que eu amo e que tenha aventura”, afirma.

Também Mehmari recusa rótulos. “Não acho que esse disco com a João seja um trabalho de jazz. Vejo como uma música contemporânea, moderna, que bebeu em muitas fontes. A palavra jazz é usada hoje para cobrir muitas lacunas. Acredito que, por comodidade, essa música é chamada de jazz, mas, na verdade, essa palavra é usada para tantas coisas, que não significa muito”, diz.

Para ele, a marca da dupla é capacidade de fugir do estabelecido. “Tanto eu quanto a João somos improvisadores. João tem uma capacidade tal, que é capaz de criar um discurso musical totalmente improvisado”, opina.

Na visão de Mehmari, o que Maria João consegue fazer com a voz torna o trabalho com ela especial. “Entendo a João como uma orquestra de vozes. Acredito que há aspecto camaleônico na voz dela, que é muito impressionante. Ela é capaz de dar vozes a muitos eus líricos. Ela é capaz de ter um lirismo muito pungente, ao mesmo tempo que se torna como uma criança, com uma ligeireza de uma voz quase infantil, e isso tudo na mesma música. Ao mesmo tempo, ela tem a ancestralidade das grandes cantoras do jazz. Ela tem uma pluralidade de vozes que a coloca num lugar único como cantora”, define.

Ecletismo

Mehmari, nos seus trabalhos, transita entre a música clássica, o jazz e a música popular brasileira. “Acho que essa mistura é reflexo da minha própria história de vida, desde minha primeira infância, em que eu tinha todas essas informações musicais acontecendo na sala de casa por meio de minha mãe, que tocava no mesmo piano Chopin, Janis Jopin, Ernesto Nazareth e Elis Regina”, relembra.

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André Mehmari diz que a mistura de ritmos em seu trabalho é reflexo da própria história de vida dele Divulgação

Com 47 anos, pianista, arranjador, compositor e multi-instrumentista, Mehmari teve uma formação eclética. “Comecei muito novo, com 7 ou 8 anos de idade, estudando órgão. Ao mesmo tempo que estudava a música de Bill Evans, estudava as Invenções a Duas Vozes de Bach”, detalha.

O disco Algodão ajudou Mehmari a desenvolver um novo lado no trabalho dele, ao introduzir sintetizadores na sua música. “Nesse trabalho com a João, até pelo gosto dela pela eletrônica, ela abriu espaço para eu explorar sons que estavam aqui na minha produção, mas estavam esperando um trabalho em que pudessem desabrochar e florescer”, revela.

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