Covid-19 associada a um risco acrescido de perda de audição em jovens adultos

A covid-19 pode levar à perda do olfacto e do paladar, mas outro sentido também pode estar em risco.

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Os efeitos da covid-19 podem prolongar-se e afectar vários órgãos THOMAS PETER/REUTERS
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Um estudo recente, publicado na revista Lancet's eClinicalMedicine, revelou que um diagnóstico positivo de SARS-CoV-2 estava associado a um aumento de mais de três vezes no risco de perda auditiva subsequente em jovens adultos.

Os efeitos da covid-19 podem prolongar-se e afectar vários órgãos, aumentando o risco de doenças cardiovasculares, diabetes e défice cognitivo.

A nova investigação é um “alerta” de que “a covid-19 pode ser um factor de risco independente para perda auditiva e perda auditiva neurossensorial súbita entre jovens adultos”, afirma Hye Jun Kim, doutoranda em ciências biomédicas na Universidade Nacional de Seul (Coreia do Sul) e autora do estudo.

Um risco “inesperado”

O estudo foi inspirado por uma das suas autoras, Michelle Suh, uma otorrinolaringologista do Hospital Universitário Nacional de Jeju, na Coreia do Sul, que relatou ter visto mais casos de jovens com problemas auditivos no ambulatório.

Relatos de casos no início da pandemia sugeriram que a covid-19 estava ligada à perda auditiva e a outros distúrbios auditivos, como o zumbido. No entanto, a maioria dos relatórios centrou-se em adultos mais velhos ou baseou-se em amostras mais pequenas, e os resultados foram inconsistentes.

Para resolver o problema, os investigadores acreditavam que era necessário um “estudo em grande escala para elucidar a verdadeira associação entre a covid-19 e a perda de audição”, disse Kim.

Os investigadores analisaram os registos hospitalares de uma população de 6.716.879 jovens adultos da Coreia do Sul, com idades entre 20 e 39 anos, e compararam os diagnósticos de perda auditiva naqueles que testaram positivo para o SARS-CoV-2 com um teste PCR com aqueles que não testaram positivo, desde o início de 2020 até ao final de 2022.

A incidência de perda auditiva foi 3,44 vezes superior para as pessoas que tiveram covid-19 do que para as que não tiveram. Da mesma forma, a incidência de perda auditiva neurossensorial súbita, também conhecida como surdez súbita – uma perda inexplicável de audição de uma só vez ou ao longo de alguns dias – foi 3,52 vezes maior para as pessoas que testaram positivo para o SARS-CoV-2.

Foi “inesperado” que, mesmo ajustando estatisticamente outros factores associados à perda auditiva, tais como a idade, o género, o rendimento, perfis metabólicos e comportamentos de estilo de vida, o risco de perda de audição revelou ser “muito maior” do que os investigadores esperavam, segundo Kim.

Outra descoberta inesperada foi um risco elevado de perda auditiva em populações que os investigadores esperavam que estivessem mais protegidas, como os adultos mais jovens que não tinham quaisquer comorbilidades e não fumavam. “Não encontrámos ninguém que não tivesse um aumento do risco de perda auditiva”, afirmou Seogsong Jeong, professor de informática biomédica na Universidade da Coreia do Sul e um dos autores do estudo.

Mesmo estar totalmente vacinado com doses de reforço não diminuiu o risco de perda auditiva após uma infecção por SARS-CoV-2. “Não conseguimos encontrar nenhum factor de protecção”, destacou Seogsong Jeong.

O estudo não analisou a duração da perda auditiva, mas algumas investigações anteriores revelaram que pode durar meses ou mais em alguns casos.

Limitações do estudo

O estudo é “certamente interessante e não discordo do que concluíram”, disse ao The Washington Post Kevin Munro, professor de audiologia na Universidade de Manchester (Reino Unido), por email. “No entanto, continuo cauteloso, pois pode haver uma explicação diferente para essas conclusões.”

É importante ressalvar que o estudo revela uma correlação entre um diagnóstico de covid-19 e perda auditiva, mas não mostra propriamente qual a causa subjacente.

Há também outros factores a ter em conta. Por exemplo, é possível que as pessoas com diagnósticos de covid-19 também sejam mais propensas a verificar a sua audição, disse Kim. Os dados também se basearam em testes de PCR para confirmar os casos de SARS-CoV-2, o que significa que aqueles que não foram testados ou pessoas assintomáticas podem não ter sido contabilizados.

Numa metaanálise de 2022, Kevin Munro e a sua equipa estimaram que a prevalência de perda auditiva induzida pela covid-19 era de 3,7%. Mas o professor de audiologia, que não esteve envolvido no novo estudo, observou que trabalhos anteriores que investigavam uma ligação entre a covid-19 e a perda auditiva tinham geralmente pouca qualidade.

Num estudo realizado em 2023 com 97 pacientes hospitalizados, Munro e a sua equipa não encontraram quaisquer diferenças na função auditiva após vários testes entre as pessoas que tinham tido covid-19 e as que não tinham.

Os vírus podem afectar o sistema auditivo

O ouvido interno é susceptível a vírus, com esta investigação a relacionar outras infecções virais com problemas auditivos.

“É evidente que alguns vírus podem causar perturbações auditivas como, por exemplo, a papeira, o sarampo e a meningite”, escreveu Munro por email.

É possível que o SARS-CoV-2 possa também afectar o sistema auditivo. As principais estruturas do ouvido contêm receptores da enzima conversora da angiotensina 2 (ACE2), aos quais o SARS-CoV-2 se pode ligar através da sua proteína de espícula (spike) – que se encontra à superfície dos coronavírus –, e a inflamação e a disfunção das células sensoriais da cóclea (uma estrutura do ouvido interno) também foram registadas em alguns doentes com covid-19.

O coronavírus SARS-CoV-2 também pode permanecer no fundo do ouvido durante longos períodos. Um pequeno estudo publicado este ano referia que o vírus ainda podia ser detectado no ouvido de alguns doentes, em média, 21 dias após o teste ter dado positivo.

É necessária mais investigação e vale a pena o esforço, afirmam os investigadores.

“A perda de audição entre os jovens adultos é muitas vezes negligenciada, mas acreditamos que isso requer atenção, especialmente após a infecção por covid-19”, afirma Kim. “A perda auditiva em jovens adultos pode afectar significativamente a sua qualidade de vida.”

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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