Um apartheid chocante para as mulheres
Vivemos dias de apartheid contra as mulheres no Afeganistão e isso tem de ser dito em voz alta.
Vivemos dias sombrios em vários pontos do mundo. No Afeganistão, as mulheres não só vivem dias sombrios como vivem como fantasmas, sem vontade própria, sem autonomia, sem direito ao corpo e sem voz, literalmente.
O regime taliban reforçou, na semana passada, as regras da “Lei sobre a Promoção da Virtude e a Prevenção do Vício”, oprimindo ainda mais as mulheres, chegando ao ponto de as proibir de sair à rua sem um homem da sua família, obrigando-as a tapar todo o corpo, incluindo o rosto, e silenciando-as. Para o poder afegão, a própria voz da mulher é considerada algo da esfera íntima, que apela ao vício e que por isso deve ser ocultado em público.
Como a Humans Right Watch denunciava esta semana, o regime taliban reduziu no Afeganistão as mulheres e as raparigas “ao estatuto de não-humanos”, restringindo severamente os seus movimentos e transformando-as em objectos amorfos a serem manipulados pelos homens. O regime taliban tenta “efectivamente transformar as mulheres em sombras sem rosto e sem voz”, denunciou Ravina Shamdasani, porta-voz principal do alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, considerando a situação “totalmente intolerável”. “Uma visão angustiante” para o futuro do país, segundo a principal enviada da ONU ao Afeganistão, Roza Otunbayeva.
A condição das mulheres no Afeganistão já era de opressão, com limitações à educação, à liberdade de expressão, mas o impensável ainda teve espaço para acontecer e é isso que o mundo hoje testemunha, talvez até com uma indignação demasiado discreta, ao ver circular um protesto nas redes sociais em que uma mulher tapada com uma burca negra simplesmente a cantar é o símbolo de luta e resistência, pois, com aquele gesto, desafia o poder vigente e totalitário e arrisca mesmo a sua própria vida.
Estas mulheres afegãs, as que ainda conseguem ter voz, as que não conseguem, todas elas, não podem ficar sozinhas. São precisas mais vozes, pois estas mulheres não podem ser silenciadas e as suas vidas não podem ser esquecidas.
Para o governo taliban, que emitiu na segunda-feira uma declaração sobre as críticas das Nações Unidas, o resto do mundo não está “familiarizado” com a lei islâmica e está a ser “arrogante”. O porta-voz, Zabihullah Mujahid, pediu mesmo respeito e “compreensão profunda”, mas não há lugar a nenhuma compreensão por regras que são uma prisão desumana. Vivemos dias de apartheid contra as mulheres e isso tem de ser dito em voz alta.