A criadora de moda portuguesa Constança Entrudo vai apresentar pela primeira vez em Nova Iorque numa aposta virada para o mercado norte-americano, que representa 70% das vendas do projecto. “Vivemos numa era de Internet saturada de marcas e ideias geniais, é importante ir e mostrar o nosso trabalho, principalmente pela materialidade”, defende a designer, que na próxima quinta-feira, 5 de Setembro, se aventura numa apresentação independente e lamenta a ausência de apoio para esta internacionalização a solo.
Já era um objectivo que queria concretizar há muito, mas agora, quando uma das clientes da marca lhe falou sobre uma galeria de arte, a 99 Canal, onde podia organizar esta apresentação, Constança Entrudo não teve dúvidas. “Essa cliente acredita, conhecendo a marca, que esta deve ser posta num contexto mais artístico e sugeriu que fizéssemos uma apresentação num espaço como se fosse uma tela em branco”, explica Constança Entrudo ao PÚBLICO, dias antes de rumar à cidade que nunca dorme para a apresentação, que acontece na véspera do arranque da conceituada Semana da Moda de Nova Iorque, onde além dos tradicionais desfiles, Manhattan se enche de apresentações por toda a ilha.
Mais do que só levar a nova colecção de Primavera/Verão 2025 para apresentar, a jovem criadora decidiu ser mais ambiciosa e organizar quase uma retrospectiva de carreira, resumindo sete anos de moda numa mostra. “Vai ser como um processo com peças especiais para a marca, que defino que como auto-referencial”, destaca, mencionando os casacos puffer de Inverno, as gangas, a colecção de bordado da Madeira ou, claro, as peças feitas em linhas, numa técnica única desenvolvida por Constança Entrudo quando ainda estudava na Central Saint Martins, em Londres.
E continua a explicar: “O objectivo da performance é que as peças estejam expostas na parede como obras de arte, mas também penduradas por fios.” Estas últimas podem ser experimentadas pelos convidados que lhes darão a sua interpretação e também trarão um olhar “mais inclusivo para a colecção, sem parecer forçado”.
Até porque Constança Entrudo decidiu levar a apresentação a outro nível e vai fotografar o lookbook (o catálogo com todos os coordenados da colecção) durante a apresentação. “Pensei que podia ser interessante, seguindo a ideia de mostrar o processo criativo, onde temos as linhas que construem as peças, incluir a pessoa no momento de fotografar o lookbook”, observa, esclarecendo que ninguém será forçado a ser fotografado por Jason Miller, mas terá peças de vários tamanhos para corpos diferentes e a apresentação será aberta, sem necessidade de convite.
Espera receber os clientes norte-americanos, que representam a larga maioria das suas vendas, sobretudo através do retalho. “No mercado americano, quando as coisas são postas no contexto certo, há sempre alguém para as comprar. Há mais abertura e mais poder financeiro”, explica sobre o sucesso da marca por lá, que também deu um salto depois da socialite Kylie Jenner e a filha, Stormi, terem usado um dos seus vestidos de linhas, em 2021. A visibilidade também lhe trouxe outros dissabores, como quando o seu já icónico vestido trompe l'oeil foi copiado pela gigante de ultra fast fashion Shein
Investimento a solo
A nova colecção segue o tema do Verão passado em que Constança Entrudo reflectiu sobre o burnout, mas dá um passo mais além, mantendo a componente narrativa que sempre foi assinatura do seu trabalho na moda. “Estamos numa paisagem idílica de férias, mas a cabeça não consegue parar. Forçamo-nos a viver situações perfeitas, incentivados pelas redes sociais, mas a desilusão acaba sempre por acontecer. É uma tentativa de SOS, que dá título à colecção”, detalha, com orgulho. E resume: “Esta colecção podia ser uma forma de exemplificar a necessidade que temos de parar de procurar o perfeito, numa critica ao capitalismo que nos diz ‘merecemos sempre mais’.”
O tema reflecte-se em elementos gráficos do estampado da colecção, como a areia ou o fundo do mar, numa analogia à descoberta do fundo de nós próprios. A técnica das linhas não é esquecida, nem as malhas desconstruídas, a camisaria de riscas ou as gangas, que se tornaram um sucesso de vendas e voltam a cada colecção também para fazer face a essa procura comercial. “Não posso perder a componente funcionalista. Tento lutar contra esse ímpeto, mas é um balanço difícil. As pessoas vêm à procura do sonho e da utopia na moda de autor, mas também é preciso ter um pé na realidade e criar peças vendáveis”, defende a jovem.
A apresentação de Nova Iorque é reflexo dessa vontade de crescer comercialmente, mas representa um “grande” investimento para o projecto, que espera trazer retorno. Sem ceder a especificar o valor em causa, Constança Entrudo lamenta que as associações dedicadas à moda de autor em Portugal, a ModaLisboa ou o Portugal Fashion, não apoiem este tipo de incursão a solo ─ normalmente, a internacionalização é apoiada com participações em conjunto com outros criadores. “É importante promover o feito em Portugal, mas cada vez mais sinto que toda a gente é diferente e tem a sua abordagem. As instituições têm de saber ver essa diferença”, defende.
“O segredo para se chegar longe é ter uma linguagem própria e é mesmo difícil quando temos de trabalhar em grupo no mesmo espaço”, lamenta ainda, explicando o motivo por que tem decidido não desfilar nas últimas edições da ModaLisboa, mas sim promover performances em espaços isolados. “Cada designer tem a sua visão. O mercado está tão saturado que as pessoas vão interessar-se pelo projecto só se tiver uma visão coerente É importante valorizar-se isso em Portugal”, termina.