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“Estava cega. Perdi 7,8 mil euros, tudo o que tinha poupado, numa pirâmide”, diz brasileira
A paraense Maria Algarete Mendes, que trocou o Brasil por Portugal há cinco anos, se deixou iludir por promessas de ganhos fáceis e perdeu toda a poupança em um golpe muito comum nas redes sociais.
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A paraense Maria Algarete Mendes, 56 anos, está desolada. Há cinco anos, ela decidiu cruzar o Atlântico em direção a Portugal em busca de uma vida mais tranquila, depois de tanta tragédia que havia marcado a vida dela no Brasil. Cheia de expectativa, empregou-se em um asilo como cuidadora, em Torres Vedras, certa de que construiria uma bonita história ao lado da filha, do genro e da neta. Foram anos de trabalho pesado para que ela conseguisse formar uma poupança que lhe daria segurança financeira. As economias somaram 7,8 mil euros (R$ 46,8 mil).
Todo esse dinheiro desapareceu em apenas quatro meses. Em outubro do ano passado, uma amiga de Algarete chegou na casa dela dizendo que tinha visto na rede social Telegram uma ótima oportunidade de investimento. A propagada garantia que os recursos aplicados se multiplicariam em um curto espaço de tempo. Essa amiga da paraense queria muito montar uma cozinha industrial para produzir salgados. Ela, inclusive, já tinha se endividado num banco para comprar uma máquina que daria início à produção dos quitutes.
Algarete ouviu a amiga falar com tanto entusiasmo daquele investimento, que decidiu ver no que dava. Como havia escalas de aplicações, ela começou pela menor. Investiu 60 euros (R$ 360) com a promessa de receber, em um mês, o dobro, ou seja, 120 euros (R$ 720). E recebeu mesmo. Entusiasmada, foi aumentando os desembolsos. Entrou com mais 180 euros (R$ 1,1 mil). Depois, colocou mais 900 euros (R$ 5,4 mil). A empolgação era tamanha, que investiu mais 3 mil euros (R$ 18 mil) em nome da filha e a mesma quantia para o genro.
Como a promessa de retorno da plataforma que se apresentava como MTA Max, com sede em Orlando, aumentava quanto mais pessoas entrassem para o grupo, Algarete ainda financiou mais quatro amigos com 180 euros para cada uma. “Estava animada com tudo o que diziam. Tão animada, que fiquei cega. Acreditei que era possível receber todo o dinheiro que investi em dobro”, afirma.
Ela só se deu conta de que havia caído no golpe da pirâmide quando uma conhecida do Brasil, que também havia sido vítima de um esquema parecido, lhe alertou. “Mas já era tarde. Fui atrás para buscar informações, mas os golpistas já tinham sumido. Desde 21 de janeiro deste ano nunca mais tivemos contato com eles”, ressalta. “Caí num golpe do qual nunca tinha ouvido falar. Nem sabia o que era pirâmide”, frisa.
Pura ilusão
Algarete diz que, somente no grupo do qual ela fazia parte, quase 200 pessoas foram lesadas. Mas esse número, acredita ela, pode passar de 500 diante dos relatos que tem recebido. “Todo o esquema é muito bem estruturado. As pessoas se deixam iludir. Eles nos convidavam para festas, prometiam nos levar para conhecer a sede da empresa nos Estados Unidos, nos incentivavam a fazer jantares para pessoas carentes. Eu mesmo banquei um jantar para 32 pessoas em um asilo no qual trabalhava e eles me reembolsaram em 140 euros (R$ 840)”, relata.
Todas essas promessas só faziam a brasileira e as pessoas que estavam no entorno dela aplicar mais dinheiro no esquema fraudulento. O sistema consistia em assistir trailers de filmes. Quanto mais vídeos vissem, mais os participantes ganhariam. “Por exemplo, quem começasse com 60 euros teria direito a ver 10 trailers. Com 180 euros, 20 vídeos. Com 900 euros, 60 vídeos. O discurso era de que teríamos de selecionar os melhores trailers para a indústria do cinema”, descreve.
Depois que todo o esquema desmoronou, Algarete e a filha foram pesquisar sobre a empresa. E descobriram que a MTA Max realmente existia. “Os golpistas, no entanto, usaram a imagem da empresa para dar um ar de seriedade”, destaca. E emenda: “Nosso grupo era liderado por uma mulher chamada Linda. Ela nos estimulada a captar outras pessoas criando falsas expectativas. Tanta que um senhor que mora no Porto investiu 30 mil euros e perdeu tudo”, assinala.
Para brasileira, diante de tanta pompa, com tudo muito bem estruturado, era difícil perceber que aquilo não passava de uma farsa. “É um esquema profissional, que nos cega. Realmente, as pessoas precisam ser alertadas sobre esses esquemas de ganhos fáceis. E as vítimas devem contar tudo o que passaram para que ninguém mais se iluda”, afirma. “Estou realmente arrasada. E pensando seriamente em retornar para o Brasil. Esse golpe foi muito duro”, enfatiza.
Decepção em série
A paraense e os amigos lesados pelo esquema de pirâmide tentaram denunciar o golpe às autoridades, mas não tiveram sucesso. “Procuramos a GNR (Guarda Nacional Republicana) em Santa Cruz, mas saímos decepcionados de lá, pois a alegação foi a de que não teriam como fazer o registro do caso. Deixamos de lado. Mas é triste saber que mais pessoas cairão nesses golpes, sem que haja um combate firme a eles”, diz. O cabo Paulo Rascão, da GNR de Santa Cruz, afirma ao PÚBLICO Brasil que o boletim de ocorrência deveria ter sido feito. Ele diz não saber o que ocorreu ante a queixa de Algarete.
A advogada Catarina Zuccaro aconselha que Algarete e as demais vítimas não desistam de registrar a queixa na polícia. Segundo ela, a legislação portuguesa permite que todos denunciem os crimes dos quais foram vítimas. E o boletim de ocorrência é obrigatório. Para ela, não se pode deixar um caso tão sério, de crime contra a economia popular, ficar sem investigação e sem punição.
“O que sugerimos é mandar uma carta registrada para o Ministério Público ou ir pessoalmente ao Ministério Público para relatar o ocorrido. O MP decidirá se a investigação andará ou não”, explica. A advogada destaca que uma das preocupações que as pessoas que foram lesadas devem ter é com os prazos para apresentar a denúncia. “No caso de golpe financeiro, é de até um ano, a contar de quando a vítima se deu conta do crime”, acrescenta.
O trauma sofrido por Algarete não passará tão cedo. “Estou arrasada. Perdi tudo o que poupei ao longo de anos, mesmo recebendo um salário mínimo por mês e ainda pagando aluguel. Me privei de muita coisa nesse período. O que me assusta é ver que, em Portugal, estão cometendo crimes semelhantes aos que ocorrem no Brasil”, enfatiza.
A paraense fala com tristeza do passado no país em que nasceu. Ela morava em Tucuruí, onde o governo brasileiro construiu uma das mais importantes usinas hidroelétricas do país, nos anos de 1970. A família foi desalojada pelas obras e a mãe e dois irmãos acabaram sendo arrastados pelas águas. Em 2008, foi a vez de o pai ser assassinado por dois homens que ele tinha contratado para cuidar da fazenda dele. Só encontram o corpo três dias depois.
“Saí do Brasil por causa da violência. Em Portugal, esperava ter uma vida melhor. Desde que cheguei ao país, trabalhei muito cuidando de idosos em asilos. Agora, continuo com a função de cuidadora, mas de um casal”, relata. “Depois desse golpe financeiro, em que perdi todo o meu dinheiro, não sei se quero continuar no país que escolhi para reconstruir minha vida”, diz.
Colaborou Jair Rattner.