Visto de trabalho demora mais de quatro meses nos consulados portugueses

Apresentado como a alternativa à Manifestação de Interesse, o visto de trabalho não funciona para os brasileiros obterem rapidamente uma forma legalizada de entrar em Portugal para procurar emprego.

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Palácio das Necessidades, sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que controla os consulados portugueses em todo o mundo Daniel Rocha
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Quando o governo português anunciou as 41 medidas do Plano de Ação para as Migrações, em junho deste ano, uma das principais mudanças para os estrangeiros que desejam viver em Portugal foi o fim da Manifestação de Interesse. Era o documento que iniciava o processo de legalização de indivíduos que entravam no país como turistas para, depois, pedirem a autorização de residência.

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, justificou as medidas com um discurso humanista: “Nem portas fechadas, nem portas escancaradas. Nós entendemos que é preciso regular a imigração para dar dignidade às pessoas”.

Só que os prazos para as pessoas obterem os vistos de trabalho para a entrada legal em Portugal, desde que dão entrada nos papéis, não indicam respeito pelas pessoas. A demora é de, no mínimo, 120 dias.

“Desde que entreguei os documentos no consulado português para o visto de trabalho, foram 127 dias para que tudo se resolvesse. Dei entrada ao pedido em 20 de fevereiro e peguei o visto no dia 26 de junho”, relata o pernambucano Jonas Gutemberg da Silva, 34 anos.

O processo de Silva foi no Vice-Consulado de Portugal em Recife. Ele ficou sem informações durante 80 dias. “Não conseguia ter acesso, não atendiam ligações, não respondiam e-mails”, reclama. Só após esse prazo foi recebido pela primeira vez. “Falaram que a culpa era do sistema por mudança da plataforma”, conta.

Atualmente, Silva está na Covilhã com sua esposa, por causa do preço da moradia. “Pretendíamos ficar em Lisboa, mas o aluguel estava muito caro. Na Covilhã, pagamos 400 euros (R$ 2,4 mil) por uma quitinete” diz.

A mudança para Portugal fez com que ele migrasse para outra área de trabalho. No Brasil, era vendedor de uma loja em um shopping. No novo país, é entregador de mercadorias. “A gente veio pelo desafio”, afirma.

Férias atrapalham

Em São Paulo, Pedro Moraes, 31, entregou os documentos à empresa VFS, que prepara os processos de vistos para trabalho em Portugal, em 7 de março. “A empresa enviou os documentos para o consulado em 22 de março. O visto só saiu em 10 de julho”, relata.

Não houve muitas explicações para a demora. “Quando perguntei pela data de entrega, só orientaram a não comprar a passagem porque poderia demorar”, lembra o paulista.

Morando em Águeda, onde conseguiu um quarto por 300 euros (R$ 1,8 mil) por mês, Moraes está procurando trabalho. “O ruim do visto ter demorado é que cheguei em Portugal na época de férias. Estou enviando currículo, indo em fábrica, mas dizem que só em setembro”, afirma.

Formado em Segurança do Trabalho, o último emprego que teve no Brasil foi de analista de compras. Já trabalhou em logística, foi repositor, motorista e operador de empilhadeira.

Imigrantes necessários

As dificuldades para obter vistos de trabalho ou autorizações de residência ameaçam o crescimento da economia portuguesa. Com cerca de 10% da população formada por imigrantes, o país depende da mão-de-obra estrangeira.

Segundo o Banco de Portugal, 40% dos trabalhadores da agricultura e pesca, 31% dos que servem em hotéis e restaurantes, 28% dos funcionários de atividades administrativas e 23% dos trabalhadores na construção civil são estrangeiros.

Outra vantagem para Portugal, com a chegada dos imigrantes, é o saldo positivo para a Segurança Social, a Previdência portuguesa. As contribuições feitas pelos estrangeiros ajudam a bancar as aposentadorias de portugueses. Dados do Observatório das Migrações de 2022 indicam que, naquele ano, os imigrantes pagaram 1,861 bilhão de euros (R$ 11,2 bilhões) e receberam apenas 257 milhões de euros (R$ 1,6 bilhão).

Promessa de melhora

Questionado pelo PÚBLICO Brasil sobre as dificuldades que os brasileiros enfrentam para obter o visto de trabalho, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português — equivalente ao Ministério das Relações Exteriores no Brasil — afirmou que o objetivo é tornar os processos de avaliação dos documentos mais eficientes.

“Está em curso um processo de reorganização interna dos postos consulares, de forma a conseguirmos aumentar a capacidade de atendimento e melhorar os mecanismos de agendamento”, respondeu, por escrito, o ministério.

Uma das medidas para acelerar os processos será a contratação de 50 novos especialistas e analistas de vistos. Mas o concurso ainda vai ser lançado, o que significa que qualquer melhoria ainda vai levar meses, pois a contratação de servidores leva tempo.

O ministério ressalta, ainda, que parte da culpa pelos atrasos é das pessoas que pedem visto. “Chegam milhares de pedidos com dados ou documentação em falta, não estando, nessa circunstância, os referidos pedidos efetivamente tratados, tendo mesmo de ser mandados para ser corrigidos. Eventualmente, essa poderá ser uma explicação para a demora”, explica.

Empresa intermediária

Atualmente, a maior parte dos consulados portugueses exige que os documentos para os pedidos de visto passem antes pela empresa VFS Global. A função da empresa é preparar os processos, verificando se os documentos estão corretos, o que deve diminuir o trabalho dos consulados.

“A contratação de serviços de empresas como a VFS é prática generalizada entre os Estados, não apenas da União Europeia. Trata-se de empresas certificadas, contratadas para apoiar o processamento de vistos, todas elas acreditadas pela UE e que são alvo de monitoramento permanente, quer pelos postos consulares, quer pela Direção-Geral de Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, quer pela própria Comissão Europeia, no âmbito das avaliações Schengen”, acrescenta o ministério.

O brasileiro Marcel Mesquita, que trabalha numa empresa de despachantes no Porto, critica os procedimentos da empresa VFS Global, que, na avaliação dele, deveria facilitar os procedimentos para obter visto. “Eles sempre inventam alguma coisa, arranjam um jeito de cobrar mais pelo serviço”, afirma.

Outra queixa que ele apresenta é que a VFS Global chega a enviar duas vezes a mesma fatura para pagamento. “As pessoas enviam o comprovante de que o pagamento já foi feito, e eles apenas dizem que está certo”, relata.

Em vários grupos de aplicativos de mensagens de brasileiros que querem mudar para Portugal, uma das dicas é para adquirir mais algum serviço da VFS para o processo andar mais rápidos. Entre os serviços extras está o envio dos documentos por Courrier, xerox, fotografia, atendimento sem hora marcada, entre outros.

Questionada pelo PÚBLICO Brasil sobre as queixas, Amit Kumat Sharma, diretor para as Américas da empresa respondeu que a VFS Global é um parceiro de confiança de 68 governos, com uma rede que atua em 153 países. Destaca, ainda, que o fato de ter vencido sete concorrências internacionais no ano passado é demonstração “da confiança que os governos têm nas soluções tecnologicamente inovadores que proporciona que são altamente seguras, fiáveis e eficientes”.

A respeito do controle realizado pelo Estado português à sua atividade, a Sharma assinalou que há “interações regulares com o Governo português, complementadas por reuniões de avaliação mensais. Além disso, são realizadas auditorias surpresa por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros”.

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