Jonathan Fors tentou correr Portugal de Norte a Sul e descobriu os seus limites

E quando tudo corre mal? Por “ego”, “curiosidade”, queria saber até onde o seu corpo chega. E correr mais de uma maratona por dia (18 dias) de Caminha a Sagres. Não conseguiu, mas acabou com um bang.

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Jonathan Fors tentou correr Portugal de Norte a Sul Nelson Garrido
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“Não vou mentir - o dia 2 foi bastante brutal”, havíamos lido na conta de Instagram. Ligamos-lhe no dia 3. “Ontem foi duro… Desafiante, no mínimo. Hoje correu ok.” No dia anterior correra 60 quilómetros, neste apenas 40 quilómetros —​ que levaram mais tempo do que esperava. “Mas usei a distância [mais curta] a meu favor, para ir mais lentamente, descansar um pouco, caminhar bastante”, conta Jonathan Fors. Era o terceiro dia de 18 em que iria correr — literalmente — Portugal de Norte a Sul: 900 quilómetros de Caminha a Sagres. Sempre pelo litoral. Seriam exactamente 50 quilómetros diários, quase sempre mais de uma maratona por dia durante duas semanas e meia — seriam, porque uma dor de garganta se atravessou no caminho e atalhou os planos; ainda assim, acabou com “um bang”, dirá o sueco.

“Durante toda a minha vida adulta, sempre corri muito”, diz Jonathan, a poucos dias de cumprir 25 anos, “todos os dias nos últimos cinco anos”. Fez “uma maratona aqui e ali” e há quatro ou cinco meses aventurou-se na primeira Ultra Race (Montalegre). Foram 160 quilómetros, cumpridos em 34 horas. “Não pensei, genuinamente, que acabaria, mas acabei.” E essa corrida foi a centelha — pouco tempo depois viria uma de cem quilómetros [serra da Freita], que não acabou. Porém, o interesse e a curiosidade em superar-se manteve-se, mantém-se. O que viria depois? “Não quis inscrever-me em apenas mais uma corrida”, declara, “são um bom desafio. Mas sinto que, de certa forma, é algo que qualquer um pode fazer”. Sim, ri-se, pode soar arrogante, mas é assim que o vê.

Jonathan queria algo de diferente e passou-lhe pela cabeça correr por todo Portugal. Aperfeiçoou a ideia e decidiu seguir pelo litoral: poderia entrar no mar para refrescar-se e teria o vento a tornar o caminho mais fresco. E assim, no dia 19 de Agosto lá estava ele a começar o seu trajecto — “porquê é a pergunta que mais me fazem”.

Porquê, então? “É algo muito, muito pessoal”, declara. “Claro”, admite, “que é bom ouvir as pessoas dizerem ‘Ó meu Deus!’, ‘é impressionante’, ‘é inspirador’, etc”. Contudo, assume, a razão principal é encontrar o seu “ponto de ruptura”. “As corridas que fiz no passado são desafiantes e, definitivamente, empurraram os meus limites, mas não me quebraram.” E Jonathan, não sabe se “por ego” ou “por curiosidade”, quer saber até onde o seu corpo consegue chegar. “Adoraria saber onde está o meu limite, por isso faço estas corridas”, conclui. Os 900 quilómetros que tentou percorrer em Portugal, acredita, poderiam ajudá-lo a chegar a esse limite. “Há a possibilidade, ou o risco, como se queira chamar, de nesta corrida por Portugal encontrar esse ponto de ruptura”, reconhece na primeira vez que com ele falamos, “posso não conseguir acabá-la”.

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Jonathan Fors descobriu os seus limites Nelson Garrido

On the road

Três dias de caminho — ele e a sua camel pack, uma mochila apenas de líquidos: dois litros de água na frente, um litro de água isotónica nas costas. “Não é nem de perto suficiente para as horas que estou a correr”, explica, “por isso vou parando pelo caminho, para encher”. Ainda leva consigo géis, “uma mistura de açúcar e cafeína”, que toma a cada hora, e cápsulas de sal (toma três a cada duas horas). “Já estou enjoado”, revela, “eu sei que preciso dessa nutrição. Mas o meu cérebro não quer”.

Apanhamo-lo no parque de estacionamento do Lidl de Ovar. Paragem obrigatória (“Tenho de comer toneladas de comida”) e proveitosa (“tenho mais rede para trabalhar”). A tarde ainda não vai a meio, o seu dia de corrida já terminara há algumas horas. Mais coisa menos coisa, acaba por volta do meio-dia. Começa por volta das 5h e, idealmente, arranca para a etapa às 6h. Esses eram os planos, mas Jonathan já percebera que os planos não correm sempre como esperado.

Na altura, havia identificado “dois grandes desafios”. O sono e a ingestão de calorias. “Seria um sonho para qualquer pessoa comer tudo o que queira”, brinca. No entanto, ele tem de digerir sete mil calorias diárias e, diríamos, não há estômago que aguente — o dele pelo menos não: “Mesmo que tenha toda a comida disponível, é um outro desafio físico.” A base, explica, são os “meal shakes”, batidos substitutos de refeição, toma tantos quantos pode —​ “misturo um pó em água, agito e já está”. Começa o dia com um, mal termina a corrida toma outro e depois pode chegar aos cinco. O problema é que cada um só tem 400 calorias, o que num dia “bom” significa apenas duas mil calorias. A maior parte destas tem de vir de comida “a sério”, carne, massas e açúcares, “ou seja, doces”. E a verdade é que estava “a ficar para trás nas calorias”.

E no descanso. A corrida acaba cedo, a namorada já está à sua espera no ponto de chegada, na camper van que alugaram como casa para esta maratona. Teriam, diz ele, o dia quase inteiro pela frente, mas este “parece que desaparece”. Há uma série de rotinas a cumprir mal termina a etapa diária — desde logo, “beber muita água e comer cápsulas de sal, para repor electrólitos”, depois “os exercícios de manutenção” para “cuidar os músculos e as articulações”. Sem esquecer o trabalho (“Tenho a minha empresa de web design e, apesar de ter diminuído a carga, preciso de dedicar-lhe uma ou duas horas por dia, o que também é um factor de stress”) e a comida, claro, comprá-la e cozinhá-la. O ideal seria dormir às 20h, estava a fazê-lo às 21h, 22h, o que é “insuficiente” quando se levanta “às 5h”.

Cinco dias e “um bang”

No dia seguinte à nossa conversa, é na praia da Vagueira, em Vagos, que estaciona a carrinha. Passara a corrida com dores de estômago e de garganta, veremos no Instagram — e, apesar do cansaço, também teve o seu momento de rusher’s high. Não sabemos tudo, mas temos uma boa ideia de por onde anda Jonathan através do Instagram: faz vídeos durante a corrida, tira fotos. “Tenho tido muitas respostas positivas e isso tem sido super-inspirador”, reconhece. Mas há segundas intenções para “estar a documentar tão intensamente” a sua aventura. “Quero construir um marca pessoal de corrida, saúde e fitness e a corrida por Portugal é uma boa maneira de atrair muita atenção.” Já está a ficar “um pouco aborrecido” da empresa que tem agora, quer fazer algo que “o apaixone verdadeiramente”. E a corrida é algo o apaixona há anos, mas só agora o está a partilhar nas redes sociais.

Enquanto crescia, numa pequena cidade sueca, Jonathan fugia de todos os tipos de desportos. Começou a correr desafiado pela mãe, “muito activa”: a primeira vez sentiu-se “miserável”, e, nem sabe porquê, insistiu —​ até que “começou a encontrar algum prazer”. “Descobri que sabia bem estar ao ar livre, mover o corpo, fazer o sangue bombear.” Ele vivia rodeado de natureza, algo de que sentiu falta quando há dois anos se mudou para Portugal. Nada que o impeça de correr todos os dias entre 18 e 20 quilómetros, a partir de sua casa, em Matosinhos.

É que, por essa altura, já estava instalada esta espécie de vício. De superação. “Acredito que a maior parte das pessoas nunca saberá o que o seu corpo consegue alcançar”, lamenta. Afinal, diz, “nós somos fortes, animais fortes”, embora “tenhamos construído uma sociedade centrada no conforto e na conveniência”, avalia. “E eu próprio aprecio o conforto”, ressalva, “mas, pelo meu ego, quero saber que não estou limitado por esses confortos.”

É no conforto de um hotel, “e do pequeno-almoço de um hotel”, que voltamos a falar com ele no que seria o dia 9 da corrida, e afinal é o primeiro dia depois desta. Ao quinto dia já não saíra e uma dor de garganta levara-o ao médico. Nada “que afecte o dia-a-dia”, diz, mas que “quando se corre este tipo de distâncias”, pode ser perigoso para “os pulmões e o coração”. Decidiu fazer uma pausa e “pensar num plano B”: continuar depois de recuperar ou encurtar a experiência — Lisboa seria o ponto final ou conduziria até à capital e voltaria a correr a partir daí. À última hora, confessa, optou por “fazer uma corrida gigante até Lisboa e call it a day”. Se não, explica, corria o risco de a dor voltar e de ter de tornar a parar — “não é uma experiência divertida e em termos de redes sociais não resulta muito”.

Foram 110 quilómetros, quase 16 horas de corrida entre Peniche e Cascais, no quinto e último dia de corrida efectiva — uma espécie de plano C “com um bang”. Sem “aventuras específicas” no horizonte, mas com o Lisboa Backyard Ultra na agenda (28 de Setembro), Jonathan vai continuar a correr por aí. “Não saberia o que fazer comigo se não corresse todos os dias. Já é como meditação.”

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