Marcelo devolve ao Governo diploma que limita reinscrições na Caixa Geral de Aposentações
Presidente da República entende que, por ser sensível e haver jurisprudência contraditória, o tema deve ser levado ao Parlamento. Governo aprovará novo diploma no próximo Conselho de Ministros.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, decidiu não promulgar e devolveu ao Governo o diploma que limita a possibilidade de reinscrição na Caixa Geral de Aposentações (CGA) e que iria condicionar todos os processos judiciais em curso. A existência de “jurisprudência de conteúdo contraditório”, a sensibilidade do tema e o facto de o diploma reinterpretar uma lei foram as razões invocadas por Marcelo para não promulgar o decreto-lei, pedindo ao Governo que o assunto seja debatido no Parlamento.
Em causa está o decreto-lei, aprovado em meados de Julho, que limita a reinscrição aos funcionários públicos que mudaram de serviço a partir de Janeiro de 2006 e não interromperam o vínculo ao Estado, deixando de fora centenas de pessoas, nomeadamente professores, que viram o seu vínculo interrompido e posteriormente retomado.
O diploma faz uma “interpretação autêntica” da lei que regula a convergência entre o regime de protecção social da função pública e o da Segurança Social (n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005) e, segundo o Governo, funcionaria como “fonte interpretativa nos casos judiciais que estão nos tribunais e que não tenham ainda transitado em julgado”.
Numa carta enviada ao primeiro-ministro, o Presidente da República chama a atenção para a “sensibilidade jurídica, política e social da matéria versada” e para a “existência de jurisprudência de conteúdo contraditório ao mais alto nível da jurisdição administrativa – no Supremo Tribunal Administrativo”.
Além disso, nota que “o diploma que se pretende interpretar com efeitos a partir de 2005 é uma lei da Assembleia da República” e que “o Governo assume explicitamente contar com alargado consenso nos partidos com representação parlamentar”.
Por esses motivos, Marcelo devolveu o decreto-lei, sem promulgação, ao executivo de Luís Montenegro, “solicitando que seja convertido em proposta de lei ou proposta de lei de autorização legislativa, assim permitindo conferir legitimidade política acrescida a um tema que dividiu o topo da jurisdição administrativa e merece solução incontroversa”.
Na prática, e tendo em conta que o Governo assegura que o assunto é consensual entre os partidos, o Presidente da República quer que as condições para a reinscrição na CGA sejam discutidas de forma alargada no Parlamento.
A Presidência do Conselho de Ministros já reagiu, assegurando que, em consonância com a mensagem de Marcelo Rebelo de Sousa, o Governo “aprovará na próxima reunião do Conselho de Ministros uma proposta de diploma legal, com conteúdo equivalente, que enviará à Assembleia da República”.
Mais de 11 mil reinscrições concretizadas até Abril
A partir de 1 de Janeiro de 2006, a CGA deixou de receber a inscrição de novos subscritores. Os trabalhadores da administração pública que iniciaram ou reiniciaram funções daí em diante passaram a ser inscritos e a descontar para o regime geral da Segurança Social.
Desde então, os tribunais têm vindo a apreciar vários processos em que os trabalhadores reclamam o direito a voltar à CGA e que, maioritariamente, lhes foram favoráveis.
Um desses casos, envolvendo um professor do ensino politécnico que rescindiu com uma instituição e, logo a seguir, celebrou um novo contrato com outra instituição pública de ensino, chegou ao Supremo Tribunal Administrativo, que concluiu que o docente tinha o direito de manter a inscrição porque não houve quebra de vínculo.
Outras decisões judiciais têm feito uma interpretação mais abrangente, reconhecendo o direito à reinscrição aos funcionários públicos que saíram da CGA após 1 de Janeiro de 2006 e que só passado algum tempo voltaram a exercer funções públicas.
Foi na sequência dessas sentenças que, em Julho de 2023, a CGA emitiu uma circular, alargando a possibilidade de reinscrição a todos os trabalhadores que foram subscritores antes de 1 de Janeiro 2006 e que voltaram (ou voltassem no futuro) a desempenhar funções públicas, “independentemente da existência de interrupções temporais entre os períodos de trabalho”. Nesse contexto, centenas de professores, trabalhadores das autarquias e da defesa pediram a reinscrição na CGA, o que levou o anterior executivo a suspender a circular, para avaliar os seus impactos.
Até ao final de Abril de 2024, a CGA aceitou a reinscrição de 11.669 antigos subscritores, a maioria dos quais são professores.