Sismo em Portugal. “Há muitas pessoas que residem em edifícios sem segurança e não sabem disso”

Especialista em segurança sísmica de edifícios diz que edifícios mais antigos apenas ficam seguros após uma intervenção de fundo: “É impossível intervir numa fracção.”

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Sismo afectou especialmente zona Sul do país Rui Gaudêncio/Arquivo
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Mais de metade dos edifícios em Lisboa foram construídos antes de 1982, data em que entrou em vigor a Lei de Protecção Sísmica, regulamentação que trouxe um reforço estrutural às novas construções. Esta segunda-feira, 26 de Agosto, o sismo de 5,3 na escala de Richter teve um epicentro suficientemente afastado para não provocar um tremor de terra suficientemente forte para causar danos estruturais a edifícios. Mas estará Portugal seguro se isso um dia vier a acontecer? O PÚBLICO entrevistou Rodrigo Falcão Moreira, especialista em estruturas e segurança sísmica de edifícios e docente do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP).

Os edifícios em Portugal são seguros em caso de sismo?
Costumamos dividir o parque habitacional, de uma forma simplista, em duas épocas. Vamos traçar a linha mais ou menos em 1982, que é a data de publicação do antigo regulamento, que de facto foi um salto assinalável. Podemos dizer que foi verdadeiramente o primeiro código em que assegurava uma protecção sísmica eficaz dos edifícios. Podemos dizer que a partir dessa data os edifícios seriam substancialmente mais seguros do que os projectados antes.

Estimávamos que cerca de 70% do parque habitacional de edifícios de betão armado português tinha sido projectado e construído antes da década de 1980. Isto é um volume de edifícios assinalável. A partir daí, o que podemos dizer é que a regulamentação existe e o conhecimento técnico também. E, em princípio, os edifícios projectados e construídos depois dessa data teriam níveis de segurança muito mais elevados.

Podem existir excepções?
Pode haver casos pontuais em que haja erro de projecto ou de construção que façam com que um edifício venha a sofrer danos. Nas minhas aulas, mostro por vezes fotografias de danos sísmicos em edifícios espalhados pelo mundo. Os alunos reconhecem as falhas [estruturais], pensam que é um edifício antigo e depois eu digo que foi projectado em 2011 [por exemplo].

Diria que Lisboa é a zona mais crítica do ponto de vista da segurança estrutural?
Há uma concentração e exposição muito maior em Lisboa. Temos mais habitantes e edifícios de maior dimensão. A cidade tem vários edifícios com dimensão assinalável que foram construídos na década de 1970 – estou a lembrar-me das Torres das Amoreiras, por exemplo. Sempre que temos, todos nós, especialistas na matéria, discussões sobre isto e mesmo nas interacções que temos com os nossos governantes, estamos focados na cidade de Lisboa. Ocorrendo um evento de intensidade assinalável, é onde, efectivamente, se vão verificar mais dados materiais e, porventura, baixas humanas.

Como é que um inquilino pode saber se o edifício respeita a lei?
Esse é um ponto que acho fundamental, colocaram-me essa questão quando foi o sismo na Turquia. O poder do cidadão comum está em procurar informação. Quando vamos comprar um carro, pedimos opinião, vamos à Internet. Vamos comprar casa e por vezes não procuramos essa informação. Diria que quem comprar ou arrendar um imóvel num edifício recente é um ponto positivo.

Uma pessoa que esteja à procura de um apartamento num edifício mais antigo deve procurar saber [as características do edifício]. Vai saber onde? Pode ser junto da administração do condomínio ou do município. É preciso perceber se quando o edifício foi alvo de reabilitações, seja em termos de fachada, caixilharias, foi também alvo de uma intervenção de reforço sísmico. O município deveria ter essa informação. A administração de condomínio também terá o registo dessas intervenções “mais fortes”.

Há alguma inspecção que pode ser pedida?
Isso já é uma coisa mais complicada, é algo demasiado oneroso para uma pessoa pedir. Costumamos fazer, mas geralmente é para municípios. É difícil estimar [o custo], mas falamos de dezenas de milhares de euros. Mas varia muito consoante o edifício.

Há alguma coisa que possa ser feita para proteger as habitações?
Depende da intensidade do sismo. Um abalo de intensidade média pode não causar danos estruturais, ou seja, não está em causa o colapso da estrutura do edifício. Mas sabemos também, enquanto académicos desta matéria, que há muitas mortes, muitas perdas de vidas humanas que se dão não pelo colapso da estrutura, mas pelo colapso de elementos não-estruturais. Uma parede divisória, por exemplo. Ou então peças mobiliárias que não estejam presas à parede.

A partir do momento que entramos no campeonato dos danos estruturais, há muito pouco que o proprietário possa fazer. Este tipo de dano só se consegue mitigar com uma intervenção profunda. É impossível intervir numa fracção, dizer que moro no terceiro esquerdo e dizer que vou reforçar o apartamento. Há muitas pessoas que residem em edifícios sem segurança e não sabem disso.

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