DGS confirma caso de febre hemorrágica Crimeia-Congo detectado em Portugal

Idoso residente em Bragança faleceu. Autoridade Nacional de Saúde adianta que não foram identificados mais casos e que não há risco de surto.

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Laboratório da Rede de Vigilância de Vectores, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, recolhe mosquitos e carraças Daniel Rocha
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A Direcção-Geral da Saúde (DGS) confirma o “primeiro caso laboratorialmente confirmado de febre hemorrágica da Crimeia-Congo (FHCC)” em Portugal, “uma doença transmitida por carraças infectadas pelo vírus”. O doente, com 80 anos, faleceu e a infecção só foi confirmada após a sua morte. Em comunicado, a DGS adianta que não foram detectados mais casos e que não há risco de surto.

A confirmação laboratorial data de 14 de Agosto, explica a DGS, já após a morte do idoso com mais de 80 anos, de nacionalidade e naturalidade portuguesa e residente no distrito de Bragança. Os primeiros sintomas de doença iniciaram-se a 11 de Julho. O homem – que “realizou actividades agrícolas durante o período de incubação” – foi internado no Hospital de Bragança, “por sintomatologia inespecífica e acabou por falecer”.

“As amostras biológicas foram testadas, post mortem, para vários agentes, incluindo o vírus da FHCC, com resultados positivos a 14/8/2024, pelo laboratório de referência nacional – Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA)”, explica a DGS.

Perante a situação, as autoridades de Saúde “iniciaram a investigação epidemiológica” e a identificação de contactos. O doente “não tinha historial de viagem para fora do país, tendo participado em algumas actividades ao ar livre na área de residência”. A DGS adianta que “não foram identificados contactos com eventuais sintomas nem casos adicionais da doença” e esclarece que “não há risco de surto nem de transmissão de pessoa para pessoa, evidenciando que se trata de um caso raro e esporádico”.

Em declarações à Lusa, o subdiretor-geral da Direcção-Geral da Saúde (DGS), André Peralta Santos deixou "uma mensagem de tranquilidade", lembrando que o vírus se transmite através da picada de carraças infectadas e que "não existe transmissão pessoa a pessoa", enfatizando que a investigação efectuada não revelou quaisquer casos associados ao do cidadão de Bragança.

Reforço da recolha de carraças

"Efectivamente, tivemos este primeiro caso diagnosticado em Portugal, com óbito a lamentar, mas pensamos que o risco para a população em geral será reduzido e que eventualmente podem existir casos raros e esporádicos. Houve uma intensificação da recolha de carraças para percebermos se pode haver algum foco com carraças que estejam eventualmente infectadas com este vírus", afirmou.

André Peralta Santos disse também que a rede portuguesa de vigilância ainda não identificou carraças infectadas com o vírus e que a intensificação da recolha está a ser feita, "principalmente, na zona norte de Portugal e fronteiriça com Espanha".

"Estivemos sempre em articulação com os colegas espanhóis e o Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês), em que fazemos uma avaliação do risco, tendo em conta aquilo que conhecemos da epidemiologia da doença e se temos ou não carraças infectadas. Já comunicámos este caso às redes internacionais. A nossa preocupação mantém-se a mesma; o que reforçámos foi a vigilância das carraças e, eventualmente, dos casos que possam aparecer com sintomas compatíveis com esta doença", sublinhou.

Os sintomas habituais associados a esta doença “incluem febre de instalação súbita, dor de cabeça, dores musculares, podendo ocorrer também diarreia, náuseas, vómitos ou conjuntivite”. “A doença requer cuidados médicos especializados, devido ao potencial de evolução rápida de agravamento de sintomas e sinais.”

A DGS explica que a duração do período de incubação depende do modo de contágio do vírus e da carga viral, “podendo ocorrer entre um e três dias (máximo nove) após a picada da carraça ou cinco a seis dias (máximo 13 dias) após contacto com sangue ou tecidos infectados”.

André Peralta Santos notou que a doença mais grave apenas se manifesta em cerca de 20% dos casos, com os restantes 80% a registarem sintomas ligeiros. Porém, indicou que o alerta da DGS visou ainda chamar a atenção dos profissionais de saúde para este possível diagnóstico.

"Se estes sintomas, que são muito genéricos, forem mantidos no tempo, requerem sempre a atenção médica e, a partir do momento em que há este contacto médico, inicia-se a jornada de diagnóstico para perceber se pode ser esta doença (ou outra). (...) Este alerta serve também para reforçar a necessidade de pensarmos na eventualidade desta doença, com o quadro de sintomas relativamente inespecífico que pode apresentar", referiu.

A informação da DGS adiantou igualmente que os casos de FHCC estão "a aumentar nos últimos anos, em especial no contexto de aumento das temperaturas médias no sul da Europa e em Portugal", com Espanha a registar 16 casos desde 2013, e André Peralta Santos reconheceu que as alterações climáticas podem ter no futuro um impacto maior a este nível.

Vigilância e recomendações

A FHCC é transmitida por carraças infectadas pelo vírus, “nomeadamente as da espécie Hyalomma lusitanicum e Hyalomma marginatum, que se encontram dispersas em diferentes municípios do país”. Estão ainda a decorrer investigações entomológicas para recolha de carraças no distrito de Bragança e o seu estudo para a eventual detecção de carraças infectadas com este vírus.

O Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, através da rede de vigilância entomológica Revive, faz recolha sistemática de mosquitos e carraças que possam ser transmissoras de doenças. O vírus que causa a FHCC não foi detectado, até agora, na rede de vigilância, “o que indica que o risco para a população é reduzido”, diz a DGS.

A DGS salienta a importância da adopção de medidas preventivas da picada de carraças e recomenda, em actividades na natureza, “a utilização de roupas de cores claras para que as carraças possam ser vistas e removidas mais facilmente”, o uso de blusas com mangas compridas, calças e calçado fechado, o uso de repelentes de insectos sobre o vestuário e a inspecção de roupas, corpo e cabelo após a actividade ao ar livre.

O aumento das temperaturas médias no Sul da Europa e em Portugal são “propícias à multiplicação de vectores”, refere o organismo, salientando que “a detecção de casos de FHCC na Europa tem vindo a aumentar nos últimos anos”. Desde 2013 que já foram confirmados 16 casos em Espanha, “os dois últimos em Abril e Junho de 2024, em comunidades fronteiriças com Portugal”. Também em França (Pirenéus), em 2023, “foram detectadas carraças H. marginatum infectadas com vírus da FHCC”.

Texto actualizado às 16h38 com declarações do subdiretor-geral da Direcção-Geral da Saúde (DGS)

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