Estudantes brasileiros engordam a renda fazendo figuração na tevê

Alunos de universidades, inclusive de mestrados, entram para o mundo das artes recebendo até 80 euros (R$ 480) por dia de trabalho. Mas há uma série de dificuldades a serem enfrentadas.

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Imagem de arquivo de figurantes numa série de televisão Rui Gaudêncio
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Ávidos por fazerem uma receita extra, estudantes brasileiros têm se tornado presenças frequentes em produções artísticas como figurantes. Não se furtam em desempenhar uma variedade de papéis: desde passantes na rua até mortos em uma cena de guerra. Suas funções podem ser tão simples como caminhar em segundo plano ou tão específicas quanto simular uma conversa animada em um restaurante. Cada pequena ação contribui para a riqueza das obras, garantindo que o ambiente seja autêntico e imersivo para o público.

Adelita Jeolas, 33 anos, é advogada e veio fazer mestrado em Portugal. Atualmente, trabalha como assistente financeira em uma multinacional em Lisboa. Mas, antes de conseguir esse emprego fixo, com contrato sem termo (o que equivale ao trabalho formal e com carteira assinada no Brasil), ela debutou no mundo das artes fazendo figuração, seguindo o conselho de uma colega de faculdade.

“Essa amiga já fazia esse tipo de figuração e me deu a dica. Fui lá e consegui o trabalho. Ganhava 50 euros (R$ 300) por dia. Uma grana legal”, relembra a brasileira, que nunca tinha feito esse tipo de atividade antes, nem mesmo no Brasil. Entre as produções de que participou está a novela O preço da Fama. No intervalo das gravações, os demais figurantes portugueses queriam saber de Adelita como eram realizadas as telenovelas no Brasil. “Era uma boa troca de experiências”, diz.

Silvia França, 27, foi outra estudante que descobriu nas novelas a chance de fazer um dinheiro extra. O interesse de atuar como figurante surgiu quando ela ouviu amigos do mestrado em Direito, na Universidade de Lisboa, falando sobre experiências nas tevês portuguesas. “Nunca participei de nenhuma experiência parecida no Brasil, de maneira que não tinha nenhum conhecimento na área”, lembra.

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A brasileira Adelita Jeolas, quando estudante, complementava a renda fazendo figuração em novelas Fernando Thompson

Para ela, o maior desafio no mundo das artes era o cansaço. “Às vezes, as gravações podem ser breves. O mais comum, no entanto, é que demorem muito, podendo chegar a até 12 horas”, afirma Sílvia. Ela ressalta que o maior problema para a adaptação é a impaciência para as inúmeras repetições das cenas, especialmente quando as gravações se estendiam.

“A questão do clima também é um pouco desgastante, havendo situações em que pode estar muito calor e as roupas não serem frescas. Em outros momentos, o clima pode estar frio, mas é necessário usar roupas de verão para a cena a ser gravada”, conta Silvia.

Agenda flexível

A função do figurante poderia ser resumida a não fazer nada, mas a verdade é que esse nada pode fazer toda a diferença no resultado de uma produção audiovisual. Por exemplo, o público que está nos programas de televisão de figurantes. Eles realmente não fazem nada além de bater palmas. Mas e se eles não estivessem lá? Imagine uma cidade sem pessoas nas ruas, um hospital sem enfermeiros ou um restaurante sem clientes? A ausência de figurantes pode tornar qualquer cena inverosímil.

O dia a dia de um figurante é bastante atarefado. Se ele estiver em uma boa agência e com vários trabalhos, vai se habituar a trabalhar por turnos, num dia, gravando pela manhã, no outro, participando de algo à tarde ou madrugada. Segundo esses profissionais, não é permitido estar cansado ou de mau humor. Os atores principais até podem ter falhas, mas isso nunca é desculpado no caso de um figurante, até porque existem muitas pessoas à procura de uma oportunidade.

No dia a dia, os figurantes ficam em pé por horas a fio e sempre com um sorriso no rosto enquanto bates palmas durante três ou quatro horas em um programa de auditório. “Ninguém quer saber se você está cansado ou com problemas em casa. O que vale, é o resultado e não pode haver espaço para falhas entre os figurantes”, diz Sílvia.

Mercado complicado

O mercado de trabalho na área da cultura não é fácil. Existem muitas pessoas à procura de uma das vagas, que, na verdade, não são tantas assim. As agências de figurantes recebem inscrições todos os dias, principalmente pessoas que esperam entrar nas carreiras de ator e de atriz. Isso torna tudo ainda mais complicado.

Quem atua na área afirma que a grande procura pela profissão faz com que os profissionais sejam olhados, muitas vezes, como descartáveis. Embora esta atitude seja um erro, até porque ser figurante não é tão simples quanto possa parecer, transmitem os que falaram com o PÚBLICO Brasil, a verdade é que é exatamente isso que acontece no mercado de trabalho.

Estimar os ganhos de um figurante em Portugal e no Brasil pode ser um desafio, devido à variação do valor dos pagamentos e à falta de contratos formais em muitos casos. Porém, com base em informações obtidas na internet, especialmente de redes sociais de brasileiros que atuam na área, e em relatos de profissionais da área, pode-se fazer uma estimativa.

Em Portugal, a média por trabalho, que pode durar 12 horas por dia, varia entre 30 e 80 euros (R$ 180 a R$ 480). No Brasil, os ganhos de um figurante são bem menores. Variam entre 9 euros e 25 euros (R$ 54 e R$ 150). Novamente, isso depende do tipo de produção e das exigências do papel.

É importante ressaltar que muitos figurantes são pagos por trabalho realizado, sem um contrato contínuo ou garantia de atividade regular. Além disso, existem casos em que o pagamento pode ser adiado, o que pode afetar a estabilidade financeira dos figurantes.

Se a ideia é trabalhar como figurante para ganhar um dinheiro extra, não precisa de nenhuma formação na área. Contudo, se o desejo for por prosseguir na carreira e lutar por um papel de mais destaque, é importante ter formação em interpretação.

Os artigos escritos pela equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil

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