A doença como banalidade

As novas gerações falam da saúde mental e da psicoterapia sem pudor ou receio, estando cientes que, embora nem todos compreendam e possam ser julgados por isso, é a atitude certa a tomar.

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Megafone P3: A doença como banalidade Getty Images
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"Nunca se receitaram tantos antidepressivos em Portugal": é este o título do artigo publicado no dia 20 de Junho, escrito pelas jornalistas Helena Bento e Joana Pereira Bastos do Expresso. Como o artigo revela, a venda de antidepressivos aumentou 80% nos últimos 10 anos (de 2013 a 2023), a par do aumento de outro tipo de psicofármacos. Isso é positivo e ao mesmo tempo negativo.

Segundo Miguel Xavier, coordenador nacional para as políticas de saúde mental, o aumento da utilização deste tipo de medicação é um bom sinal: actualmente, a capacidade de diagnosticar este tipo de doenças mentais é maior, principalmente nos centros de saúde, onde se regista o maior número de prescrições de medicamentos antidepressivos. A saúde mental regista uma presença mais assídua no domínio público desde a pandemia, e isso tem obviamente um efeito positivo na relação que a sociedade tem habitualmente com este tipo de doenças e com os que delas padecem.

O aparecimento de podcasts, de séries televisivas e de peças jornalísticas dedicados à saúde mental tem ajudado a desmistificar o estigma a ela associado, cujos doentes são, desde há muito, adjectivados de forma pejorativa. Estes programas (alguns deles com pendor humorístico e pessoal) permitem compreender que as pessoas que se encontram num momento de fragilidade mental, ou que sofrem de uma doença mental, continuam, quando a severidade dos sintomas não os impede, a desempenhar as suas tarefas quotidianas laborais e domésticas com sucesso.

Como Susan Sontag defende no ensaio A doença como metáfora, devemos olhar para a doença (no seu caso em particular falava do cancro) como apenas uma doença, e nada mais, contrariando a visão alegórica e culpabilizante, que desde há uns séculos, a sociedade e a literatura em específico, tendem a utilizar.

Porém, se o aumento da prescrição de psicofármacos reflecte, por um lado, uma maior desinibição para procurar ajuda, também significa que existe, em alguns casos, uma prescrição indevida e excessiva. Como o artigo do Expresso reconhece, “as recomendações internacionais estabelecem que os antidepressivos não devem ser usados como tratamento de primeira linha na depressão ligeira ou moderada”. Nestes casos deve optar-se pela psicoterapia e por outras abordagens que não têm necessariamente que incluir a utilização de fármacos, até porque nem todos os problemas de saúde mental têm somente que ver com a nossa biologia; estão também relacionados com factores ambientais, como as nossas circunstâncias de vida.

Estamos a falar mais das doenças do foro mental, mas também devemos discutir em que moldes devemos fazê-lo. E explicar à população o que é a psicoterapia é algo prioritário. A ignorância e o receio em relação ao trabalho dos psicólogos e psiquiatras, e à psicoterapia individual ou de grupo, leva a que as pessoas procurem pensos rápidos para os seus sintomas, não compreendendo que, sem encontrar e resolver a causa, o risco de recaída é grande.

Segundo o psicólogo Carl Rogers, cujo livro Carl Rogers em consulta recomendo (publicado em Portugal pela Taiga), “os indivíduos têm em si mesmos vastos recursos para a autocompreensão e para alterar os seus próprios conceitos, atitudes básicas, e comportamento autodirigido; estes recursos podem ser explorados se for possível proporcionar um clima definível de atitudes psicológicas facilitadoras”.

Com a psicoterapia, o paciente tem a oportunidade de atribuir nomes aos seus sintomas, deixando de se sentir cativo da sua própria condição mental, e a possibilidade de corrigir e alterar aspectos da sua vida, que consciente ou inconscientemente, o perturbam. A doença torna-se banal na nossa rotina enquanto indivíduos; não nos distingue, nem nos exclui, apenas perde peso.

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