Oposição sem medo voltou a sair às ruas na Venezuela enquanto Maduro desafia o mundo
Milhares de venezuelanos saíram à rua por todo o mundo para reivindicar a vitória de Edmundo González contra Maduro nas presidenciais de 28 de Julho. O regime também desfilou, em força e repressão.
“Uma garça-moura lutando contra um rio”, como na canção do famoso cantautor venezuelano Símon Díaz cantada como um hino na capital do México, é a metáfora perfeita para as manifestações que saíram à rua no sábado em centena de cidades, da Venezuela e de todo o mundo, para reivindicar a vitória de Edmundo González Urrutia contra a anunciada reeleição de Nicolás Maduro sem que qualquer prova tenha sido apresentada. Enquanto milhares de venezuelanos e grande parte da comunidade internacional continuam a pedir a publicação dos resultados, o Presidente chavista avisa para ninguém "meter o nariz" no país.
De Caracas à capital da Austrália, do Funchal a Santiago do Chile, de Bogotá a Miami, de Madrid a Buenos Aires, passando por Paris, em mais de uma centena de cidades se ouviram gritos de “não temos medo” e “Venezuela livre”. Mas tanto em Caracas como noutras localidades do país liderado por Maduro esgrimiram-se multidões de sentido oposto e de dimensões diferentes. O regime pode ter ganho em força. A oposição ganhou em coragem.
Mulher sem medo, María Corina Machado, a líder da oposição que o regime impediu de concorrer e que agora persegue criminalmente, voltou a liderar a manifestação de protesto em Caracas, enquanto o chavismo se concentrou numa marcha até ao Palácio Miraflores, sede do Governo, onde Maduro disparou contra o principal opositor nas eleições: “Onde está o cobarde Edmundo González Urrutia?” Com um mandado de prisão a pender sobre a sua cabeça, o candidato que se afirma vencedor das eleições não tem aparecido em público.
A cidade tinha acordado cercada de polícia: cerca de 6000 agentes, com tanques, postos de controlo e equipas antimotim, segundo o El País. O chefe da Guarda Nacional Bolivariana, Miguel Domínguez, publicara uma mensagem ameaçadora nas redes sociais: “No sábado há transporte gratuito para Tocorón [prisão que Maduro indicou para os presos políticos], mas só de ida.” “Estamos cagados [assustados], mas vamos lá”, disse uma mulher que caminhava em direcção à manifestação, citada pelo Clarín.
María Corina Machado chegou de forma discreta à Avenida Francisco Miranda, disfarçada com um moletão escuro que tirou quando subiu ao camião com a bandeira da Venezuela e a cara de Edmundo González. O veículo, que foi utilizado nos últimos meses para a campanha e mobilizações em diferentes lugares da Venezuela, acabaria por ser confiscado pela polícia após o protesto. Mas, antes disso, ainda serviu de palco para um último discurso da desafiadora líder da oposição.
“Cada dia temos mais força, ninguém vai nos parar”, afirmou, citada pelo Noticiero Digital, um dos poucos jornais independentes da Venezuela. “Temos os votos, temos as actas. Nada está acima da voz do [povo] soberano. Todos reconhecem que o Presidente é Edmundo González”, prosseguiu, referindo que até os observadores da ONU questionam os resultados oficiais divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). “A nossa aliança nacional e internacional continua a crescer, não vamos sair das ruas”, afirmou.
Maduro marcha e a polícia prende
As ruas cercadas pela polícia também serviram para o regime mostrar a sua força e popularidade. Trazendo seguidores em autocarros dos arredores da capital, segundo o El País, Maduro desfilou da Avenida do Libertador até ao Palácio de Miraflores, onde reafirmou a sua vitória e lançou insultos ao principal opositor e desafios à comunidade internacional.
“Conquistámos o direito de fazer o futuro que quisermos na Venezuela, como quisermos, e ninguém pode meter o nariz na Venezuela", afirmou perante uma multidão que agitava bandeiras do país. "Eu não ando por aí a dar conselhos a ninguém no mundo sobre o que fazer com este ou aquele país... a porta será fechada a quem meter o nariz na Venezuela”, disse, citado pela Reuters.
Maduro voltou a insistir na urgência de aprovar a lei contra o fascismo, o neofascismo e expressões semelhantes que está em discussão no Parlamento e que, segundo os defensores dos direitos humanos, será utilizada para perseguir a dissidência.
Para já, é a lei de antiterrorismo que vai fazendo esse papel. E, em muitos casos, nem se sabe qual o regime legal em que são enquadradas as detenções, que prosseguem em força. A última conhecida de um opositor do regime aconteceu à saída da manifestação de sábado na cidade de Valência.
Carlos Molina, membro do partido Um Novo Tempo (UNT), deixava a Avenida Bolívar quando o seu automóvel foi interceptado por dois veículos, segundo testemunhas citadas pelo Noticiero Digital. Seis homens armados dominaram Molina e o motorista, levaram as chaves do veículo e o telemóvel do motorista e desapareceram levando o deputado.