Morreu Ana Faria, criadora de Brincando aos Clássicos e dos Queijinhos Frescos

Com Brincando aos Clássicos, ajudou a democratizar a música erudita. Depois, pôs gerações inteiras a cantar com os Queijinhos Frescos e os Onda Choc. Ana Faria morreu aos 74 anos.

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Ana Faria tinha 74 anos DR
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Ana Faria, ícone da música infantil dos anos 1980 e 1990, morreu neste sábado, 17 de Agosto, aos 74 anos. A notícia foi avançada pelo marido da cantora, Heduíno Gomes, através de uma publicação no Facebook.

Foi em 1969 que se tornou conhecida, na estreia do programa de televisão Zip-Zip, onde cantou Canção de embalar, de Zeca Afonso, e Avé Maria do povo, popularizada por Simone de Oliveir​a. Depois dessa participação esteve "quase para editar um disco", escreve o radialista e investigador musical João Carlos Calixto numa publicação no Facebook.

Mas os primeiros álbuns, que marcaram uma geração, só surgiram na década de 1980. O primeiro, Violeta Flor, contava com canções originais da própria, de Heduíno Gomes e de Mário Piçarra, com quem partilhou a aventura de outro projecto musical, os Terra a Terra, ligado à recolha do cancioneiro popular.

Numa entrevista ao Jornal de Notícias (JN) em 2004, disse: "Trauteava músicas eruditas com letras minhas em português e isso despertou a atenção dos meus filhos e dos seus amigos. Todos queriam ouvir-me cantar. Depois, dava-lhes a ouvir o original." E daí nasceu Brincando aos Clássicos (1982), um disco cheio de adaptações de temas de compositores clássicos como Beethoven, Mozart, Chopin ou Verdi, transformados em canções para um Luís que "nunca foi a Paris", uma Clara com medo das pombas, uma Catarina tão tagarela que até "dá dores de cabeça" ou um Miguel "de olhos de mel".​

João Carlos Calixto não tem dúvidas de que estes álbuns foram "importantíssimos para a educação do gosto de tantas e tantas crianças de então". Ana Faria democratizou estes compositores, combatendo o elitismo que caracterizara o acesso à educação e à fruição musical durante o Estado Novo.

"O estudo e conhecimento da música 'dito erudita' estavam reservados aos grupos sociais com maior capacidade financeira. A chegada destes géneros musicais, através de novas letras feitas por ela em português, transformou as canções em organismos vivos – pois eram a recriação das histórias de vida daquelas crianças. Ana Faria trouxe estas melodias ao conhecimento de muita gente que não conhecia, ou que até conhecia mas não sabia quem eram estes compositores. Popularizou e democratizou [as sinfonias e compositores], são termos perfeitamente justos", analisa o investigador musical em conversa com o PÚBLICO.

Tal foi o sucesso do projecto que um ano depois, em 1983, Ana Faria lançou um segundo volume, editado pela CBS Portugal (actual Sony Music Entertainment Portugal)​. Ambos os álbuns foram produzidos pelo marido. Cada faixa tem o nome de uma criança diferente e as vozes da cantora, apoiada por um coro de crianças, contam a história de cada uma.

Os três filhos de Ana Faria — João, Nuno e Pedro Faria Gomes — faziam parte dessa massa de vozes e, em 1984, tornaram-se célebres sob o nome Queijinhos Frescos. É também em 1984 que é editado o álbum Ana Faria e os Queijinhos Frescos. No ano seguinte, lançaram Batem Corações e também o single que seria o tema do programa Jornalinho, da RTP.

Heduíno Gomes e Ana Faria sempre trabalharam juntos e, em 1986, criaram os Onda Choc, que pôs uma geração inteira a cantar Ele é o rei, Era um biquíni pequenino às bolinhas amarelas ou Ela só quer, só pensa em namorar. Ela escrevia as letras, ele tratava do resto: era responsável pelo repertório, dirigia os castings e até chegou a tirar fotografias para as capas dos discos.

Em entrevista ao Diário de Notícias em 2019, Heduíno Gomes afirmou que o projecto resultou porque as músicas infantis "eram todas uma desgraça, era uma estupidificação enorme das crianças".

A carreira de Ana Faria na música não durou muito, tendo acabado por se dedicar à pintura, arte que já desenvolvia antes de começar a cantar. Chegou a lançar livros, que escreveu e ilustrou, mas nunca gostou de ser conhecida. Em 2004, disse ao JN: "Não me assusta a fama, mas não gosto de ser o centro de tantas atenções. Lido mal com tanta exposição." com Miguel Dantas

Actualizado às 17h13 com as declarações de João Carlos Calixto no sexto parágrafo

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