A ansiedade e recuperação de Cat Power (a cantar Dylan), o punk engajado dos Idles

Notas sobre o terceiro dia do festival minhoto, que chega ao fim este sábado, com Fontaines D.C., Slowdive ou The Jesus and Mary Chain.

PP 16 AGOSTO 2024  PAREDES DE COURA FESTIVAL VODAFONE CONCERTO IDEALS
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Idles Paulo Pimenta
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Girl in Red Paulo Pimenta
PP 16 AGOSTO 2024  PAREDES DE COURA FESTIVAL VODAFONE  NOUVELLE VAGUE
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Nouvelle Vague Paulo Pimenta
PP 16 AGOSTO 2024  PAREDES DE COURA FESTIVAL VODAFONE  CONCERTO NOURISHED BY TIME 
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Nourished By Time Paulo Pimenta
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Público no terceiro dia do Vodafone Paredes de Coura Paulo Pimenta

Esta sexta-feira, 16 de Agosto, o Vodafone Paredes de Coura foi da pop ao moshpit, com uma série de covers pelo meio. Não houve concertos imaculados, mas Cat Power foi uma muito digna intérprete do cancioneiro de Bob Dylan (após um começo em falso) e os Idles tiveram o público na mão — e a Palestina no pensamento.

Nourished by Time

Erotic Probiotic 2 (sim, 2, porque seria um desperdício usar um nome deste calibre apenas uma vez) foi, no ano passado, uma agradável surpresa: disco de estreia do americano Marcus Brown, que assina como Nourished By Time (o primeiro Erotic Probiotic foi apenas um EP com duas músicas, lançado em 2022), revelou um crooner promissor, a expiar os demónios dos seus desencontros amorosos por cima de uma cama sonora de R&B contagiante e synth-pop lo-fi, com uma estética 80s bem nostálgica e vincada (mas nunca bolorenta). Esta sexta-feira, aquilo que de bom se escuta no disco nem sempre passou para o palco. Talvez esta música requisite a intimidade de uma sala pequena, ou mais escuridão. Marcus Brown actuou pelas 19h, o que por um lado se entende (não tem ainda "nome" para tocar mais tarde), mas o sol e calor minhotos não o ajudaram — pediam, se calhar, algo como Mdou Moctar, que, lamentavelmente, só subiu ao mesmo palco pelas 3h.

Nouvelle Vague

O primeiro álbum dos Nouvelle Vague já tem 20 anos. São 20 anos a pegar em canções de Joy Division, Depeche Mode, Dead Kennedys ou The Clash e gravar covers suaves, ou easy listening. Talvez a corda, de tão esticada que está, esteja a pedir misericórdia. Raras são as versões que não são soporíferas. Parece que estamos numa festa privada de gente rica, ou num café com preços de turista, onde é comum ouvir este tipo de cover sem-sal. E ainda que os músicos sejam competentes, o esforço tremendo e constante que fazem para parecer cool é cansativo.

Cat Power

Só podemos imaginar os pensamentos horripilantes que terão assombrado Chan Marshall, vulgo Cat Power, sobretudo durante os primeiros minutos do seu concerto, em que cantou exclusivamente Bob Dylan (a americana lançou no ano passado um álbum ao vivo recriando um concerto histórico do autor, em 1966). Estava constantemente a gesticular pedindo aos técnicos de som que solucionassem um problema nas colunas que lhe devolviam aquilo que ela e a sua banda estavam a fazer — felizmente, o som que chegava ao público quase não tinha máculas, embora tenha havido uma altura em que o pianista tocou notas-fantasma. O seu desconforto era para lá de evidente e se por um lado não levou a versões desastrosas de She belongs to me ou Mr. Tambourine man, por outro foi suficiente para deixar parte do público igualmente desconfortável.

Mas o cenário mudou de figura quando o concerto entrou na sua secção eléctrica. A cantora deixou de enviar tantos sinais na direcção da régie ainda viria, contudo, a endereçar um ou dois pedidos nada discretos para trocarem as fortes luzes brancas que a encandeavam. De repente, tínhamos aquilo que desde o início aguardávamos: uma experiente intérprete de repertório alheio (três dos seus 11 álbuns de estúdio são discos de covers) a abraçar um cancioneiro de excelência.

Girl in Red

Na sua segunda passagem por Portugal, Marie Ulven Ringheim, ou Girl in Red, chamou até perto do palco principal uma multidão de jovens fãs da sua pop queer, que ao vivo é turbinada com suficiente rock (de estirpe emo) para motivar o ocasional abanar de capacete. É uma pena Ringheim estar refém de tantos clichés, quer em termos melódicos, quer no que toca às letras.

Idles

Estamos apenas na segunda música e o moshpit já está bem instalado. Os Idles estão a tocar Colossus, chapada bem dada no culto do homem que não chora e que tem de ser machão. Antes de Lee Kiernan, um dos dois guitarristas do grupo, saltar para o meio do público, o vocalista Joe Talbot gritará pela libertação da Palestina.

Banda cabeça de cartaz do terceiro dia do festival, os Idles foram iguais a si próprios. O seu punk inconformado enfrenta não só a masculinidade tóxica, como a violência sexual, o ódio injustificado àquele que tem um aspecto ligeiramente diferente de nós e outros sintomas de uma repelente atitude fascista. Talbot não é o melhor letrista não raras vezes, retrata o mundo usando termos preguiçosamente simplistas; de um lado estão os "bons" e do outro os "maus", ou os "pricks", como canta em Mr. Motivator , mas, numa altura em que a extrema-direita cresce cada vez mais e em que Andrew Tate e outros gurus da palhaçada (perdão, da "auto-ajuda para homens") andam por aí a contagiar miúdos enfeitiçados com ideias bem perigosas sobre o que é ser um homem "a sério", talvez não devamos ignorar a forma como os Idles conseguem fazer chegar o outro lado da moeda a um público de dimensão apreciável.

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