Público Brasil Histórias e notícias para a comunidade brasileira que vive ou quer viver em Portugal.
Tamborim, cuíca, pandeiro: a história de quem se apaixonou pelo som do samba
As aulas de percussão estão se tornando cada vez mais frequentes em Lisboa. Em média, custam 40 euros (R$ 240) por mês. Vários dos aprendizes se profissionalizam e tocam em blocos de carnaval e shows.
Os artigos da equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil.
Acesso gratuito: descarregue a aplicação PÚBLICO Brasil em Android ou iOS.
A primeira vez que a francesa Joana Inês ouviu o som de uma bateria de escola de samba levou um susto. Ainda adolescente, estava no Rio de Janeiro para visitar o padrinho, que morava na cidade, quando se deparou com aquela batida firme, composta de múltiplos instrumentos. “Foi uma descoberta espetacular”, diz.
O impacto daquela batucada foi tão forte, que, pouco depois de retornar a Paris, Joana, filha de mãe portuguesa, decidiu procurar grupos de samba na capital francesa para apreender a tocar algo. Desde então, ela nunca mais se afastou do ritmo brasileiro, que no entender dela, é fascinante.
Morando em Lisboa há três anos, onde trabalha como professora de francês, Joana, que toca caixa, matriculou-se em uma aula de percussão para levar sua paixão adiante. “A caixa é um instrumento complexo e interessante”, descreve a jovem, que integra o grupo que tem como instrutor o músico Neném do Chalé, do Bloco Cuiqueiros de Lisboa. “Agora, a minha meta é aprender a tocar tamborim”, avisa.
Como Joana, há um grupo crescente de interessados em participar das aulas de percussão. Além do desejo de aprender a lidar com os instrumentos musicais, muitos deles estão se profissionalizando para participar de blocos de carnaval ou mesmo acompanhar artistas que têm shows programados para Lisboa. Recentemente, o Cuiqueiros se apresentou com o sambista Arlindinho.
Ritmo envolvente
As aulas de percussão ocorrem, normalmente, uma ou duas vezes por semana e custam, em média, 40 euros por mês (R$ 240) por pessoa. O italiano Franccesco Manca faz questão de estar presente em todas. “O samba é um ritmo envolvente, deixa as pessoas felizes”, afirma ele, que também toca caixa. “Estamos falando que, mesmo sendo rápido, tranquiliza quem está tocando”, complementa.
Franccesco conta que chegou a Portugal no meio da pandemia do novo coronavírus. “Tocava bateria na Itália. Então, quando me mudei para Lisboa, queria continuar fazendo algo com a música. O samba apareceu por acaso. Estava andando pela cidade e encontrei um bloco de carnaval ensaiando. Entrei no bloco e não parei mais”, ressalta. Ele não se considera profissional, mas têm participado de baterias de várias agremiações como um dos percussionistas.
Neném do Chalé vê com muito bons olhos o empenho de seus alunos para aprender percussão. “O gosto pelo samba independe de nacionalidade. Tenho alunos de várias partes do mundo”, frisa. Foi a partir de aulas de cuícas, por sinal, que ele e o parceiro Wesley BemBoy formaram o bloco Cuiqueiros de Lisboa.
“A ideia inicial era apenas fazer um workshop, mas o interesse foi além do que esperávamos, levando à criação do bloco em 2023”, assinala Neném. “Cercados pela curiosidade de quem ouvia a cuíca, nós decidimos dar oportunidade para que mais pessoas aprendessem sobre este instrumento que tanto nos representa”, emenda.
É importante ressaltar que a ideia de criar o bloco não surgiu apenas de Neném e Wesley. Teve a contribuição essencial de Gisele Mauri, mulher de Neném. Ela vislumbrou a possibilidade de transformar o workshop em um bloco carnavalesco e, com isso, ampliou a proposta de interação e aprendizado.
“Esse tipo de interação, que transforma um simples workshop em um projeto coletivamente cultivado, promove não apenas o aprendizado musical, mas, também, o fortalecimento dos laços comunitários e a expressão da cultura brasileira em Lisboa”, complementa Neném, nascido no Morro da Mangueira, no Rio de Janeiro.
Fascínio pela cuíca
Para o português Pedro Miguel Lopes, não há instrumento musical mais bonito do que a cuíca. “Sempre tive vontade de aprender a tocar cuíca. Desde muito cedo, quando ouvia esse instrumento, ficava fascinado”, diz. A realização do sonho ocorreu há um ano, quando surgiu o Cuiqueiros. “O samba é um movimento que traz muita alegria para o povo, muita energia. Os portugueses adoram”, reforça.
Na avaliação do músico Diogo Presuntinho, do Patú Sambá e do Lisbloco, as aulas de percussão, que incluem o pandeiro, estão se tornando essenciais para a revitalização do carnaval em Lisboa, criando espaços inclusivos, em que as tradições brasileiras são valorizadas, mas também adaptadas e celebradas num novo contexto.“As oficinas se tornaram um ponto de encontro para artistas, aspirantes e entusiastas da cultura brasileira, unindo-os em torno da música, da dança e da alegria do samba”, afirma.
Presuntinho está se preparando para lançar mais um bloco em Lisboa, o Secretinho. Ele reconhece que ainda há pouco entendimento por parte das autoridades portuguesas sobre a importância de se incluir o carnaval no calendário oficial da capital portuguesa. Mas um passo importante foi dado com a criação de uma associação agregando 14 blocos, que ficou encarregada de negociar as condições para o desfile de 2025.
Segundo o percussionista, Lisboa, com toda a vibração, deve se firmar como berço de manifestações culturais e artísticas. Ele acredita que, por conta de uma rica herança musical, a cidade vem se tornando um espaço propício para oficinas de instrumentos musicais, especialmente à luz do renascimento do carnaval que, mais do que uma festa, se apresenta como um projeto educativo e social.
Novos profissionais
Outro projeto de destaque é o Lisbloco, cujo objetivo é promover formação de novos profissionais nas mais diversas áreas desse universo festivo. Para Júlio Brechó, idealizador da iniciativa, o bloco surgiu da necessidade de oferecer oficinas que vão além da simples prática musical. “Criamos, no Cais do Sodré, um projeto em que, ao longo do ano, realizamos aulas de produção, de fantasias e adereços para os blocos, além da percussão”, conta ele, hoje à frente do Samba Colaborativo.
Boa parte do que ele ensina aos aprendizes vem do conhecimento adquirido ao longo do período em que trabalhou nas escolas de samba do Rio de Janeiro. “Vi muitas crianças e jovens mudarem de vida ao se conectarem a uma profissão e a uma expressão artística, num aprendizado contínuo que culmina na performance carnavalesca, integrando teoria e prática de maneira sinérgica”, afira. "Isso vale para futuros músicos", conclui.