Leonel de Castro: “Vi esta menina a voar pelos céus no meio da catástrofe”

Pedimos a vários fotojornalistas que nos enviassem uma das suas fotografias preferidas. Leonel de Castro escolheu esta, feita na Beira, Moçambique, em 2019, após a passagem do ciclone Idai.

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Menina em altos voos, na Beira, após a passagem do ciclone Idai Leonel de Castro
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“Captei esta fotografia mal cheguei à cidade da Beira, em Moçambique, após a passagem do ciclone Idai, que destruiu por completo a província de Sofala e deixou milhares de pessoas desalojadas. O desastre ocorreu em 14 de Março de 2019, mas só duas semanas depois cheguei ao território, com os meus colegas José Miguel Gaspar, do Jornal de Notícias, e Céu Neves, do Diário de Notícias. Esta imagem foi feita no dia 1 de Abril.

A cidade era apenas destruição: as árvores estavam completamente despidas, as casas sem telhado, muros derrubados... E ainda havia aldeias alagadas. No meio de tal desolação e num ambiente que parecia de guerra, vi esta menina, em plena Avenida na Beira, a voar pelos céus num baloiço, no meio das árvores despedaçadas. Depois de a fotografar, ainda tentei falar-lhe, mas ela não dominava o português, apenas um dialecto moçambicano. A fotografia, porém, não precisava da voz dela.

Temos aqui o confronto entre a paz e a guerra. A paz, transmitida pelo voo a rasgar os céus, pela calma e pela pose da miúda no baloiço, que contrasta com a destruição provocada por uma catástrofe natural. Estas árvores que se vêem à volta da menina deviam estar verdes, frondosas, mas aparecem totalmente despidas, esvaziadas de vida pelos ventos ciclónicos.

No contexto do trabalho jornalístico, feito em conjunto com os redactores, sabemos o que se passa fora de campo, fora da fotografia. E aqui ganha importância toda a composição da imagem. A menina está colocada em voo no lado direito, antevemos que quando ela fizer o movimento descendente irá saltar deste cenário – dá-nos a ideia de que vai atravessar os céus.

Há também a parte cromática: temos o céu azul, vivo, que nos transmite também muita tranquilidade, mas que, ao mesmo tempo, vai contrastar com todo o cenário de desolação com que fomos confrontados por todo o distrito da Beira.

Creio que este é um trabalho de fotojornalismo puro e duro: regista um acontecimento que não estava agendado, não estava previsto, e respeita o paradigma do género: tanto do ponto de vista técnico, como estético, como informativo, responde às exigências do trabalho do fotojornalista.

Publiquei a fotografia no Jornal de Notícias e no Diário de Notícias, logo no início de Abril, mas ela foi já também mostrada em várias exposições e, em 2020, foi classificada como ‘Fotografa do Ano 2019’ no Concurso Internacional de Fotojornalismo Estação Imagem.”

(Depoimento recolhido por Sérgio C. Andrade)

Leonel de Castro nasceu na Alemanha (Münster, 1973), mas tem as suas raízes bem firmadas em Trás-os-Montes e Alto-Douro. É fotojornalista no Jornal de Notícias e no grupo onde este diário se insere (Notícias Magazine, Volta ao Mundo, Evasões, Diário de Notícias e o Jogo). Numa carreira que incluiu também a docência, conquistou várias distinções, como o Poy-Pictures of the Year International e os prémios da Society for News Design, Visão, Fuji Fotojornalismo Portugal, Estação Imagem, além ainda do Prémio Pacheco de Miranda para reportagens realizadas em Timor-Leste, África do Sul e EUA. As suas obras têm sido apresentadas em exposições individuais e colectivas, e em publicações como Pare, Escute, Olhe (Civilização Editora), Minhotos de Pele Salgada e Lugares Alentejanos na Literatura Portuguesa (Estação Imagem) e Um Território Musealizado – Museu da Memória Rural. O seu mais recente ensaio documental, Despojos de Guerra, iniciado em 2020, deu já um fotolivro e uma exposição, patente, até Outubro, no Centro Português de Fotografia, no Porto. Mais em Instagram: @leonel_de_castro e Facebook: Leonel de Castro

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