Por que há tanta recusa em trabalhar na AIMA? A resposta seria excesso de problemas

Agência promete abrir novo concurso para preencher cargos. Na última seleção, das 58 vagas abertas, apenas 19 foram preenchidas. Servidores ameaçam com greve e imigrantes reclamam de atendimento ruim.

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Brasileiros e imigrantes que vivem em Portugal se aglomeram na porta da AIMA desde a madrugada à espera de atendimento Jair Rattner
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A Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) admite, em nota enviada ao PÚBLICO Brasil, que poderá lançar um novo concurso para contratação de pessoal. O órgão fez, recentemente, um processo seletivo para o preenchimento de 58 vagas, mas apenas 19 foram preenchidas. Não houve interessados para as demais.

Diante desse resultado, muita gente tem se perguntado por que há tanta resistência em se trabalhar na AIMA. Para brasileiros e outros imigrantes que dependem da agência, há argumentos de sobra: trabalho excessivo, baixa remuneração e dificuldade do governo em resolver os problemas que poderiam tornar a agência mais eficiente nos serviços que presta.

Diz a nota da agência para migrações: “A AIMA tem desenvolvido um esforço contínuo para reforçar a sua capacidade de resposta, tendo lançado vários procedimentos de contratação pública. Alguns desses processos já foram concluídos ou estão em fase de conclusão, enquanto outros ainda se encontram em curso”.

E complementa na nota: “Caso não se consiga preencher todas as vagas inicialmente previstas (no mais recente processo seletivo), será oportunamente lançado um novo concurso para suprir as vagas remanescentes, mantendo o nível de qualidade considerado adequado para o desempenho dessas funções.” Em junho último, o Governo prometeu recrutar 300 funcionários para a AIMA fora do serviço público.

A AIMA foi criada em outubro de 2023, em substituição ao Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF). Desde então, não conseguiu resolver as pendências deixadas pelo órgão extinto. Na verdade, os problemas aumentaram. Atualmente, há mais de 400 mil processos pendentes de toda a ordem.

Em apenas um posto de Lisboa, pelo menos 200 pessoas se amontoam nas madrugadas, como constatou o PÚBLICO Brasil na última terça-feira. Imigrantes como o brasileiro Uelber Oliveira, 36 anos, que tenta se regularizar em Portugal, beneficiando-se da nacionalidade do filho que nasceu em Portugal. “Somos tratados de forma aviltante”, diz.

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O brasileiro Uelber Oliveira tem enfrentado filas constantemente para regularizar seus documentos em Portugal. O filho nasceu no país Jair Rattner

Ameaça de greve

Segundo trabalhadores da Aima ouvidos pelo PÚBLICO Brasil em condição de anonimato, as condições de trabalho hoje são muito ruins. Tanto que eles anunciaram uma possível greve a partir de 22 de agosto, paralisação que, se concretizada, vai se entender até o final de dezembro.

Os servidores querem receber pelas horas extras já trabalhadas e querem acabar com esse expediente e com o trabalho aos finais de semana. Essa jornada adicional é considerada excessiva.

A localidade com maiores problemas para preencher as vagas oferecidas pela AIMA foi Lisboa, em que somente seis dos candidatos aos 25 postos foram selecionados. Foi um concurso interno, reservado a funcionários públicos.

Mas, para advogados ouvidos pelo PÚBLICO Brasil, como Bruno Gutman, mesmo que todos os cargos fossem supridos, o estrangulamento da agência não seria superado rapidamente. O número de contratados é reduzido e os selecionados têm de passar por um treinamento antes de começar a trabalhar.

Em uma nota anterior enviada ao PÚBLICO Brasil, a agência procura explicar como vai resolver os 400 mil processos em atraso: “A AIMA está a envidar todos os esforços para implementar medidas tecnológicas, de recursos humanos e de simplificação administrativa que se revelem adequadas e eficazes para resolver esta situação. Um exemplo desse esforço é o novo procedimento para o tratamento das Manifestações de Interesse que se encontra em curso e em contínua otimização.”

A decisão do governo de extinguir as Manifestações de Interesse provocou grande preocupação entre os imigrantes. Milhares de pessoas ficaram sem conseguir os documentos. Quando anunciou a extinção desse instrumento, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, afirmou que Portugal precisava de imigrantes, que vêm contribuindo para a sustentabilidade do sistema de Segurança Social.

“A imigração é, para Portugal, essencialmente ativa e contributiva, reforçando a sustentabilidade da Segurança Social”, afirmou o chefe de Governo, à época. Apenas em 2022, os imigrantes deram à Segurança Social portuguesa um saldo líquido de 1,6 bilhão de euros (R$ 9,6 bilhões), 65% acima dos 968 milhões de euros (R$5,8 bilhões) de 2021.

Retrato atual

Atualmente, a AIMA tem 700 funcionários em todo o país. É uma parcela dos 1708 trabalhadores do extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras — dos quais 1.043 eram inspetores e 655, não policiais. Só os não policiais ficaram na AIMA. Os outros foram integrados à Guarda Nacional Republicana (GNR), à Polícia de Segurança Pública (PSP) e à Polícia Judiciária (PJ).

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Desolados, imigrantes testam a paciência todos os dias em longas esperas pela autorização de residência emitida pela AIMA Jair Rattner

A mudança não foi aceita facilmente. Em maio de 2024, seis meses depois da constituição da AIMA, 100 funcionários pediram transferência para outros locais de trabalho na administração pública. Procurada pelo PÚBLICO Brasil, a direção do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública não se manifestou oficialmente.

Os artigos escritos pela equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil

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