Lula assume cenário de novas eleições na Venezuela como saída da crise pós-eleitoral

Presidente do Brasil afirma que Maduro “deve uma explicação” ao mundo e Joe Biden apoia novo acto eleitoral. Diplomacia portuguesa considera que as dinâmicas regionais estão a alterar-se.

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Lula da Silva e Gustavo Petro, Presidentes do Brasil e da Colômbia, estão a desenvolver esforços diplomáticos para uma saída para a crise Luisa Gonzalez / REUTERS
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O Presidente do Brasil assumiu que defende um novo acto eleitoral na Venezuela como solução para a crise política e social que o país atravessa depois das presidenciais de 28 de Julho. “Se ele [Nicolás Maduro] tiver bom senso, pode tentar fazer uma conclamação ao povo da Venezuela, quem sabe até convocar umas novas eleições”, afirmou Lula da Silva aos microfones da Rádio T, da Foz do Iguaçu. Uma solução que já tem o acordo do Presidente dos EUA, Joe Biden, adianta a Reuters.

“Não me quero comportar de forma apaixonada, dizendo que sou favorável a fulano ou sou contra. Eu quero o resultado”, disse Luiz Inácio Lula da Silva, lembrando que Maduro “ainda tem seis meses de mandato” e continua a ser o Presidente da Venezuela, “independentemente das eleições”. Daí que defenda haver margem para uma solução negociada que poderia passar por um governo de coligação ou novas eleições – uma espécie de segunda volta – para sair da actual situação de desconfiança internacional.

Nesse cenário, Lula diz que seria Maduro a “estabelecer os critérios de participação”, deveria criar “um comité eleitoral supra-partidário em que participe toda a gente" e deixar que observadores, “olheiros do mundo inteiro”, analisassem esse processo eleitoral. “Ele sabe que está devendo uma explicação para a sociedade e para o mundo”, acrescentou.

A hipótese de novas eleições foi já recusada por María Corina Machado, líder do partido Vente [Vamos] Venezuela e da Plataforma Unitária Democrática, que apresentou Edmundo González como candidato contra Maduro e reivindicou a vitória a 28 de Julho, sustentada em actas eleitorais recolhidas em 80% das 30 mil mesas de voto e publicadas na Internet. "A eleição já aconteceu", disse nesta quinta-feira a jornalistas da Argentina e do Chile.

Celso Amorim, o principal assessor para as relações exteriores de Lula, está ciente das dificuldades do processo. “O que é curioso de novas eleições é que tanto um quanto o outro teriam que aceitar”, disse esta quinta-feira no Senado em Brasília, reforçando que o Brasil é favorável a uma “solução que venha do diálogo. É difícil, mas tem que ser tentada", afirmou.

"A posição do Brasil obedece a princípios muito importantes: a defesa da democracia, a não-ingerência em assuntos internos e a resolução pacífica de controvérsias. Por isso, temos insistido na publicação de actas. Não sei se isso agrada ou não ao Presidente Maduro, mas nós nunca deixamos de insistir na publicação das actas", disse o antigo embaixador, citado pelo site G1, da rede Globo.

Diplomacia portuguesa expectante

O Brasil é neste momento um dos principais interlocutores regionais para a crise, juntamente com a Colômbia, depois do Presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, ter dado um passo atrás na posição conjunta que assumira com Lula da Silva e Gustavo Petro, ao afirmar que aguardava as conclusões do Tribunal Supremo da Venezuela, que se encontra a analisar as actas eleitorais entregues pela autoridade eleitoral, próxima de Maduro.

Nas duas declarações conjuntas que divulgaram, os três países exigiam a publicação das actas eleitorais e uma verificação imparcial dos resultados. Agora, Brasil e México parecem ter uma posição mais recuada, embora o Brasil continue a exigir a divulgação dos resultados oficiais. A Colômbia, que já recebeu cerca de quatro milhões de venezuelanos desde as últimas eleições, tem sido mais discreto nas posições públicas.

Expectante quanto ao evoluir da situação, a diplomacia portuguesa considera que as dinâmicas regionais estão a alterar-se na região, com o Brasil e a Colômbia a deixarem de ser complacentes com o regime de Maduro, sobretudo depois do referendo à anexação do território da Guiana Essequiba. E a poderem ter uma posição decisiva na solução da crise.

A saída, de acordo com uma fonte diplomática portuguesa ouvida pelo PÚBLICO, seria uma transição negociada, com ou sem eleições, para garantir um governo e um presidente interinos e independentes, dando garantias de imunidade a Maduro e aos seus fiéis – como aliás já fizeram os EUA. Embora essa solução pudesse ser aceite pela oposição, como garante a mesma fonte, dificilmente será aceite pelo regime.

Como país com uma das maiores diásporas na Venezuela – cerca de meio milhão de portugueses e luso-venezuelanos –, Portugal tem tido uma posição cautelosa em relação à situação política venezuelana, mas também tem um papel importante na posição europeia sobre a Venezuela. No passado dia 4, a UE emitiu um comunicado em que apela à transparência do processo, pede o fim da repressão e o respeito pelos direitos humanos, mas não reconhece a vitória de nenhum dos candidatos.

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