Associação diz que há unidades com camas de paliativos vazias

Responsável denunciou que, muitas vezes, há utentes colocados em unidades de longa duração onde as camas são mais baratas do que nos paliativos: “só pode ser para se poupar dinheiro”.

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No ano passado, cerca de 48% dos utentes referenciados não foram admitidos por óbito anterior à admissão Adriano Miranda
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O presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados (ANCC) revelou esta quarta-feira que há unidades com camas de cuidados paliativos vagas e manifestou-se surpreendido com o relatório da Entidade Reguladora da Saúde (ERS).

Em declarações à Lusa, José Bourdain disse ter lido "com estupefacção" os resultados do relatório da ERS que indica que quase metade (48%) dos doentes referenciados no ano passado para unidades de paliativos contratualizadas com o sector privado ou social morreram antes de ter vaga.

"Desde há pelo menos cerca de quatro a cinco anos que as nossas associadas que têm cuidados paliativos se queixam de que as taxas de ocupação andam na casa dos 50 a 60%, ou seja, as entidades perdem imenso dinheiro, porque quando a taxa de ocupação baixa dos 85% é feito um corte de dezenas de milhares de euros", explicou.

José Bourdain disse que, tal como nas outras tipologias de cuidados continuados, de cada vez que abre uma vaga é comunicado à Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e afirmou: "se não são colocados lá doentes, partimos do princípio de que, se calhar, não há doentes suficientes, mas pelos vistos não é assim".

O responsável denunciou ainda que, muitas vezes, há utentes colocados em unidades de longa duração (onde as camas são mais baratas do que as de paliativos), que deveriam ir para paliativos: "só pode ser para se poupar dinheiro".

"Nós até chegamos a questionar o governo anterior se isso seria alguma ordem que teria sido dada nesse sentido, numa lógica de poupar dinheiro, porque as unidades de longa duração não estão minimamente preparadas para receber doentes paliativos, nem sequer têm médico 24 horas, nem o pessoal tem formação necessária para esse efeito e, portanto, já denunciamos isso há bastante tempo", acrescentou.

A directora da Unidade de Internamento ASFE Saúde, em Mafra, considera que os doentes são referenciados para paliativos muito tarde e disse que a unidade raramente consegue atingir os 95% de taxa de ocupação.

Em declarações à Lusa, Cristina Mendonça disse que as conclusões da ERS são dramáticas e disse ter ficado surpreendida.

"Esse dado tem que nos fazer pensar muito. Mas não há vagas e depois há uma unidade como a nossa que raramente consegue atingir os 95%. Então onde é que estão os doentes?", questiona.

A responsável disse que, em Junho e Julho, a unidade que dirige, que tem 20 camas de cuidados paliativos, não conseguiu sequer atingir a taxa de 85%.

"Se a taxa estiver abaixo dos 85%, para qualquer tipologia da Rede Nacional de Cuidados Continuados, o pagamento que nós recebemos é pela taxa que estiver. Mas nós continuamos a ter cá os profissionais e a ter de pagar salários completos", explicou. Referiu que o facto de não atingir a taxa de 85% "põe automaticamente em défice as unidades", o que as leva a questionar a sua sustentabilidade.

Só 32% dos referenciados vão para essa tipologia

De facto, o relatório da ERS hoje divulgado refere que nem todos os utentes com referenciação para Unidades de Cuidados Paliativos-RNCCI são necessariamente admitidos em unidades dessa tipologia ou noutra tipologia da Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP), sublinhando que apenas 32% acabaram admitidos em unidades daquela tipologia.

A RNCP contempla duas tipologias de Unidades de Internamento de Cuidados Paliativos: as UCP hospitalares, que prestam cuidados paliativos a doentes com doenças graves e/ou avançadas e progressivas, que necessitam de internamento, e as UCP-RNCCI, que são contratualizadas com entidades do sector social ou privado e prestam cuidados em situações de complexidade baixa a moderada.

Foi sobre estas últimas que a ERS se pronunciou, no relatório hoje divulgado.

"Atendendo a que a natureza de cuidados paliativos prestados em cada uma das tipologias de UCP (UCP-RNCCI e UCP hospitalares) se distingue pela complexidade clínica, poderá subsistir um problema de acesso a cuidados paliativos para utentes com necessidade de cuidados paliativos de baixa complexidade, em particular nas regiões de saúde do Centro e do Algarve", refere a ERS.

Dos utentes referenciados para UCP-RNCCI em 2023, mais de um em cada três (37%) foram admitidos em unidades do SNS. Cerca de 48% dos utentes referenciados durante esse período "não foram admitidos por óbito anterior à admissão", conclui.

O tempo médio de espera para admissão dos utentes referenciados em 2022 e 2023 foi inferior a um mês: os que foram referenciados e admitidos em 2022 aguardaram, em média, 20 dias e, em 2023, esse valor subiu para 21 dias.

"Os utentes que faleceram, que representam a maior proporção dos utentes referenciados, estiveram em média 12 dias a aguardar uma vaga, nos dois anos em análise", refere o regulador.

A ERS concluiu ainda que mais de um em cada 10 (12%) utentes referenciados e admitidos em 2023 residiam a mais de uma hora de viagem da unidade em que foram internados.