“Desejamos trazer a tecnologia de Portugal para o Brasil”, diz diretor do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional

Governo brasileiro vê os modelos usados por empresas portuguesas para tratamento de água, esgoto e lixo como adequados para os municípios do país. Projetos do Porto, de Cascais e Lisboa são exemplos.

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Denilson Campelo, diretor de Parcerias com o Setor Privado do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional do Brasil Carlos Vasconcelos
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O governo brasileiro, por intermédio do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, deve celebrar, até o fim deste ano, um acordo de cooperação internacional para estruturar projetos para os municípios do país — já são 800 inscritos. O primeiro memorando será assinado com instituições de Portugal prevendo a transferência de tecnologia para aplicação no tratamento de resíduos sólidos e energias renováveis.

A partida para a iniciativa foi dada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva que lançou, em 10 de julho último, em Brasília, o programa Brasil Parcerias, destinado à estruturação de investimentos por meio de Parcerias Público Privadas (PPPs) e concessões. No primeiro momento, estão previsos R$ 1 bilhão (178 milhões de euros) para inovações tecnológicas na área ambiental. A meta, porém, é chegar a R$ 11 bilhões (1,9 bilhão de euros) com aportes futuros do governo federal.

Em entrevista ao PÚBLICO Brasil, o diretor de parcerias com o setor privado do ministério, Denilson Campello diz que a intenção é buscar soluções no exterior, e Portugal é uma das prioridades, por dispor de tecnologia que atende às necessidades brasileiras, já com projetos pilotos nos estados do Acre e do Amazonas. Campello, inclusive, já iniciou contatos com órgãos públicos portugueses, os quais são responsáveis pela concepção do sistema que trata da produção de energia a partir do lixo.

As empresas Cascais Ambiente, do município de Cascais; Valorsul, que atua em Lisboa e região Oeste; Lipor, com presença na área metropolitana do Porto, e Tratolixo, com braços estendidos por Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra, foram visitadas por técnicos brasileiros para subsidiar o texto do acordo internacional. O governo brasileiro está confiante nas parcerias.

Que investimentos estão previstos nesse projeto?
A pauta do Ministério da Integração é levar para os municípios brasileiros, para os nossos entes municipais, a possibilidade da construção de parcerias público-privadas para o investimento em políticas ambientais, em água, esgoto, resíduos sólidos, mobilidade urbana e iluminação pública, entre outros. Atualmente, os municípios não têm condições de realizar tais tarefas, devido à limitação dos seus orçamentos. Temos hoje no ministério um departamento, do qual sou responsável, para desenvolver projetos de parcerias e mesmo de concessões. Começamos a buscar tecnologias e interessados dentro do Brasil e no exterior.

Como Portugal surgiu nesta operação?
Já tínhamos informações sobre o estágio de desenvolvimento na questão ambiental em território português. Por isso, a nossa recente viagem a Portugal para conhecer como foram feitos os investimentos, os resultados deles, as plantas já existentes e como o país tratou a solução, por exemplo, na questão dos resíduos sólidos. Portugal é bem menor que o Brasil, que é um país continental. Então, todas as soluções foram avaliadas. Nós precisávamos trazer para o Brasil exemplos de boas práticas para esses problemas. Fiz questão de conhecer a planta do Porto e o consórcio dos municípios da região metropolitana, a Lipor, onde funciona o tratamento de resíduos sólidos.

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Modelo de equipamento para depósito de resíduos sólidos Carlos Vasconcelos

Mas o Brasil não tem soluções para estas questões?
Desejamos trazer a tecnologia de Portugal para o Brasil porque, apesar de já existir muita coisa parecida no país, não temos o conjunto do sistema. O desenho da operação é o que nos interessa. Nós temos várias experiências no Brasil. No entanto, por causa do tamanho do país, a experiência lá do Rio Grande do Sul às vezes não funciona no Rio Grande do Norte. A gente está falando aí de 3 mil, 4 mil quilômetros de distância. A visita a Portugal me agradou muito, especialmente, a concepção do sistema.

Qual, especificamente, foi a experiência que mais o impressionou?
Desde o fechamento dos lixões em Portugal até a montagem dos aterros sanitários e das usinas de produção de energia advindas do próprio lixo foram inovações impactantes. Trata-se de uma política que está sendo muito difundida na região metropolitana do Porto. Em paralelo, também estive em Cascais, onde conhecemos o centro de tratamento de água e esgoto da cidade, cuja obra me encantou, porque é feita a 50 metros de profundidade, na rocha, não resultando em nenhum odor para a comunidade. Então, são tecnologias que estamos querendo implantar nos municípios brasileiros. Fazer parcerias em Portugal para trazer para o Brasil.

Como serão essas parcerias?
As parcerias seriam feitas por meio do que chamamos no país de MoU (Memorando de Entendimento). Seria como um acordo de transferência de tecnologia. Um acordo de cooperação técnica.

Como isto será possível?
Para que possamos tratar essa troca de informações com as empresas portuguesas, estamos fazendo uma proposta, já em andamento. Um memorando de intenções com a Lipor, para que esse trabalho de cooperação, de transferência de tecnologia e de conhecimento mútuo.

Esse documento já está pronto?
Ainda está em análise no ministério, pela nossa consultoria jurídica. A proposta foi apresentada em julho último para os portugueses. O objetivo é servir de parâmetro para as instituições. A parceria já está sendo apreciada pelo conselho da Lipor para aprovação. Nós atrasamos um pouco, porque o assunto é complexo. Mas já enviamos para Portugal o primeiro texto, a sugestão para que façam as alterações necessárias por meio da orientação do conselho jurídico deles, para que possamos avaliar realmente como vamos fazer esse memorando.

Quais os passos seguintes?
O documento vai autorizar o início das conversas. Após a aprovação, vamos sentar com as entidades para poder desenvolver um plano de trabalho, que será aprovado pelas duas partes, pelo governo brasileiro e pela associação lusa. Daí para frente será executar o plano de trabalho a ser construído. Com certeza, vamos ter a necessidade de uma nova visita nos próximos meses, inclusive para assinatura do contrato,

Como a população brasileira será beneficiada com este acordo?
O que nós buscamos é o atendimento da população, principalmente a menos favorecida. O objetivo do projeto é levar água, esgoto e tratamento correto do lixo a toda população brasileira. Estamos falando de, em dois anos, atingir pelo menos 200 municípios e consórcios municipais do país. Estamos falando, inclusive, de municípios isolados dentro da floresta amazônica. Municípios muito distantes das principais cidades dos estados. Por exemplo: no estado do Pará, há municípios que ficam a 1 mil quilômetro de distância um do outro. Então, começamos a atender os consórcios municipais, a exemplo do consórcio do Porto, com seis municípios. Os consórcios no Brasil têm, em média, 20 a 30 municípios. Acredito que, em um ou dois anos, estejamos atendendo parte da população. Ainda será uma quantidade pequena, mas sabemos que o trabalho é árduo, duro e longo.

Por onde vai começar?
Temos, hoje, dois projetos piloto nos estados do Acre e do Amazonas. A partir do consórcio do Porto, estamos fazendo o primeiro grande projeto piloto no estado do Acre, com 22 municípios. E, em paralelo, no estado do Amazonas, com a região da grande Manaus. No Acre, são 850 mil habitantes. Na região de Manaus, estamos falando 2,5 milhões de pessoas. São projetos pilotos com recursos do Fundo Garantidor de Infraestrutura (FDIRS). Trata-se de um antigo fundo garantidor que não era operado pelo governo, que conseguimos trazer para este projeto. Esse fundo tem R$ 1 bilhão (178 milhões de euros), cuja função será estruturar projetos de PPPs e concessões. Esse mecanismo tem a possibilidade de chegar a R$ 11 bilhões (1,9 bilhão de euros). Mas vamos trabalhar com R$ 1 bilhão, por enquanto, por conta dos aportes e de investimentos na carteira no futuro.

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