O vício de seguir os Jogos Olímpicos

Os próximos dias serão de algum vazio, depois de tanta adrenalina, deslumbramento e emoção.

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Cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2024, Paris CHRISTIAN HARTMANN/REUTERS
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Vem de longe o gosto de assistir às provas dos Jogos Olímpicos. Férias marcadas nesse período, regressos antecipados da praia a cada quatro anos (quando não era possível andar com a programação de televisão para frente e para trás) e muitas horas frente ao televisor são memórias partilhadas em família. Única altura em que o televisor é ligado enquanto há luz do dia.

Há modalidades preferidas, sobretudo as que vivem em meio aquático: natação, saltos para a água (os sincronizados em primeiro lugar), surf, vela, canoagem. Mas quem consegue não ficar “agarrado” também à ginástica artística, ao atletismo, aos cavaleiros, ao ciclismo (agora, ainda mais) e aos desportos com raquete?

Foi por causa do ténis de mesa que fomos aos Jogos Olímpicos de Londres. Assistir pelo ecrã era pouco, queríamos estar lá. Gostamos daqueles duelos sem confronto físico directo, da rapidez dos movimentos e dos efeitos da bola, que tantas vezes parecem contrariar as leis da física.

O projecto de rumar a Paris caiu porque o mundo actual não nos deixa sentir seguros no meio de multidões, mas não deixámos de seguir os atletas portugueses e outros com quem nos identificamos ou que admiramos. Ficámos a conhecer novos.

Nesta edição, até o vólei de praia nos tomou bastante tempo, talvez pelo “cenário”, com a Torre Eiffel em fundo, mas também pela qualidade crescente dos atletas e pela alegria do público.

Descobrimos o skateboarding, nascido pela invasão de piscinas vazias por “rapazes voadores” em tempos de seca nos EUA. Fazem acrobacias impensáveis e temerárias. Divertimo-nos em particular com o brasileiro Augusto Akio (medalha de bronze), que a cada pausa fazia mover três maças (objectos cilíndricos alongados) sobre a cabeça. “Malabarista”, chamavam os comentadores a este atleta sorridente.

Não vamos falar da qualidade do rio Sena, a revelar uma desconsideração infinita pela saúde dos atletas. Foi o mais lamentável dos Jogos na cidade-luz.

Lágrimas do lado de lá e de cá do ecrã

E os abraços? Interessante observar as diferenças entre os abraços latinos e os nipónicos, por exemplo, ou entre os festejos dos africanos e os dos nórdicos. A origem e a cultura a revelarem-se em poucos minutos, uns mais espontâneos e exuberantes outros mais contidos e discretos. Tudo válido e bonito.

Também entre homens e mulheres — no sentido clássico, visto a olho nu e sem medições de testosterona — diferem as manifestações de afecto, alegria e comoção. Todas contagiam.

Muito trabalho, muita pressão mental, dor física, privações e lesões, muito tempo roubado à família. É assim o quotidiano de um atleta de alta competição. Não admira por isso que haja também tanta lágrima do lado de lá (e de cá) do ecrã. Chora o vencedor e chora o derrotado. Em se tratando de olimpíadas, talvez não se possa usar esta última palavra. Alguém consegue aplicá-la a Fernando Pimenta ou a Filipa Martins, por exemplo?

Todos devem ser felicitados, os 73 atletas que representaram Portugal, os muitos outros que levaram as suas bandeiras aos Jogos e os que participaram mesmo sem bandeira, os atletas individuais neutros (AIN).

Os primeiros a garantirem medalhas para Portugal foram Patrícia Sampaio (judo — bronze), comunicativa e bem-disposta, e Pedro Pichardo (atletismo, triplo salto — prata), queixoso e mal-humorado.

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Iuri Leitão e Rui Oliveira fazem uma breve coreografia no pódio dos Jogos Olímpicos, após receberem a medalha de ouro em ciclismo de pista, prova Madison EPA/MARTIN DIVISEK

A coroar a maratona de visionamento dos Jogos, eis que surgem dois jovens do Norte. Sim, é no Norte que mais se investe em modalidades diferentes, com pavilhões municipais e multiusos em que o futebol não é rei.

Primeiro, individualmente, apareceu Iuri Leitão (ciclismo de pista, Omnium — prata), a que se juntou depois Rui Oliveira (ciclismo de pista, Madison ­— ouro).

Treino, resistência, inteligência, estratégia e cumplicidade fizeram com que esta dupla nos fizesse escutar A Portuguesa em Paris. Nem os próprios pareciam acreditar no que lhes estava a acontecer ao receberem as medalhas, sempre a abanarem a cabeça, enquanto sorriam e continham as lágrimas.

A juventude e a emoção dos atletas fizeram com que um momento sempre solene e comedido desse lugar a uma breve coreografia a mimetizar Cristiano Ronaldo, que deve, também ele, sentir-se orgulhoso.

A energia com que cantaram (gritaram) o hino e o genuíno abraço final, entre soluços, comoveram certamente milhares de pessoas.

Suspeitamos de que Iuri Leitão e Rui Oliveira vão continuar a sorrir e a chorar durante muito tempo. Gente feliz com lágrimas, diria o escritor João de Melo.

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