Paris viveu a hora P: P de prata e de Pedro Pablo Pichardo
Há alguns meses, depois de Pichardo desertar, ninguém sabia o que poderia vir aí – nem o Comité Olímpico sabia dele. Já bem perto de Paris, ele apareceu, atacou o triplo salto e levou uma prata.
Comecemos por pôr os pontos nos is: Pedro Pablo Pichardo e Portugal acabaram de conquistar uma prata nos Jogos Olímpicos. Esta é a notícia e é isto que Pichardo, com sorriso mais amarelo ou menos amarelo, vai poder contar aos netinhos. Juntou trabalho ao talento e foi o segundo melhor do mundo olímpico, que, no desporto, é um mundo acima do mundo.
Nove de Agosto pode, no atletismo português, passar a ser o dia P: P de Portugal, P de Paris, P de prata e um quádruplo P: de Pedro Pablo Pichardo Peralta. E o que se passou em Paris, nesta sexta-feira, é uma prata ganha e essa é a notícia. E que ninguém lha tire.
Mas sabemos que é mais do que isso. Há atletas que, quando ganham uma prata, ganham uma prata. E outros há que, quando ganham uma prata, perderam um ouro. Pichardo, como Biles, Phelps, Ledecky, Riner, Duplantis ou Bolt, é desta última estirpe – por mérito próprio, já que essa é uma categoria vedada ao atleta comum.
Todos sabemos que uma prata, para Pichardo, é um ouro que ficou por ganhar. Mas, ao contrário de outros atletas deste tipo, como Simone Biles, o luso-cubano não sorri de alegria, não salta, não dança e não faz uma vénia aos adversários que o bateram. Celebra, mas à sua maneira. A maneira de quem ficou sem um ouro.
E o próprio assumiu isso no final: "Acho que foi um ouro perdido. Perdi por dois centímetros. Estava a saltar a 20cm da tábua. Bastava só acertar na tábua e ganhava. Mas numa final não se pode cometer erros e eu cometi vários. No final, paguei e perdi a medalha de ouro".
É claro para Pichardo, e para todos os que assistem, que ele queria o ouro e que o que leva para casa lhe sabe a pouco. Poderia sentir que bateu todos menos um? Sim. Mas parece óbvio que, em vez disso, ele sente que foi batido por alguém. E não há mal algum nisso.
Talvez não chegue a sentir-se desonrado pela prata, mas ele sabe que queria mais. Nesta sexta-feira, teve de ceder o palco a quem foi dois centímetros melhor do que ele: Jordan Díaz, de Espanha, também nascido em Cuba. Porque sim, é possível ser-se melhor do que Pedro Pablo Pichardo, mesmo que por meros centímetros, e Díaz já nos Europeus tinha sido.
Na versão infantil de O Pedro e o Lobo, contam-nos na escolinha que um jovem trapaceiro que faz o mundo temer pelo lobo, que nunca aparecia. Deixaram de o temer, até ao dia em que ele apareceu mesmo. Pedro Pablo Pichardo fez o mesmo.
Ninguém acreditava que vinha aí o “lobo”, depois de meses e meses lesionado, desertado e desacreditado. Ninguém temia o lobo – nem mesmo o Comité Olímpico, que chegou a dizer ao PÚBLICO que não sabia dele. De repente, já bem perto de Paris, ele apurou-se para os Jogos Olímpicos. O “lobo” estava mesmo ali e chegou para atacar o triplo salto. Não foi a história do Pedro e do ouro, mas foi quase. E também é uma boa fábula para se contar.
Como tudo aconteceu
Em Paris, sem calças e boné, como encarou a qualificação, Pichardo quis levar a final um bocadinho mais a sério. E começou essa demanda logo a abrir, com um salto seguro de 17,79 metros, um bom início de concurso e com clara possibilidade de melhoria, já que a chamada não foi famosa e o terceiro salto também pareceu ter tido um desvio lateral demasiado pronunciado.
Era uma marca melhor do que as melhores do ano de todos os rivais menos um: Jordan Díaz, que já saltou mais de 18 metros, e iniciou este concurso com 17,86.
Na segunda tentativa, Pichardo melhorou para 17,84 e, depois do salto, apontou para a perna, talvez sentindo algum desconforto. Mas não era grande coisa.
Prova disso é que no salto seguinte fez uma marca tremenda, embora anulada pela chamada demasiado à frente. Ficou, ainda assim, uma boa indicação para a ronda dos três saltos finais, porque mesmo com uma chamada no local certo aquele teria sido um salto para o ouro. E a reacção de Pichardo, com raiva e frustração com o nulo, mostra o quanto o português sentiu que seria uma boa marca.
Díaz fez, depois, mais um salto consistente, que só foi prejudicado pela queda com as costas para trás – teria sido uma marca bem melhor do que os 17,86 que já lhe davam a liderança. O espanhol parecia mais forte e consistente: sem nulos e com três saltos acima de 17,80.
Quinto salto e... nada. Não foi nulo, foi nada. Pichardo abdicou de tentar saltar, quem sabe pela tal questão na perna esquerda.
E agora? Iria haver sexto salto? O português levantou-se a começou a aquecer e alongar, o que indiciava salto, com ou sem dores. E lá foi ele para 17,81. Prata no bolso.
O último salto?
Segundo Pichardo, estes 17,81 metros podem ter sido o último salto da carreira. Mera pressão para ter apoios ou real vontade de parar? Só o próprio saberá, mas, tendo condições, parece estar disposto a ir a Los Angeles. “Vou pensar se continuo ou não. O que está na minha cabeça é ficar aqui, parar por aqui e hoje ser a minha última competição”.
Para muitos, uma prata seria o topo de carreira. Para Pichardo, uma prata é motivo para querer parar. Isso e a falta de apoios. “Há uns anos prometi à minha mãe que acabaria em Los Angeles. Mas nos últimos anos tem sido complicado, com problemas no clube. Infelizmente, em Portugal não temos apoios. O Governo só olha para futebol. Não temos apoio nenhum”, disparou.
E detalhou, quando confrontado com a presença de Luís Montenegro em Paris. “Não o vi (...) mas temos de falar com o Governo e melhorar condições. Seria bom sentar com ele [primeiro-ministro] e pedir apoio além do futebol. A única coisa que peço é apoio. Eu sei que em Portugal é só futebol, mas só pedimos um bocadinho. Nem é muito. Um bocadinho é suficiente”.
Isto foi na zona mista. Na conferência de imprensa... não apareceu. Estiveram os medalhados de ouro e bronze, também eles nascidos em Cuba, como Pichardo, mas o lugar do medalhado de prata estava vazio.