E o prazer, amor?

Nas relações heterossexuais, a evidência empírica desafia a ideia de que o prazer sexual feminino é tão importante quanto o masculino.

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Haverá, certamente, muitas formas de falar sobre prazer. Mas hoje escrevo sobre o prazer sexual. Actualmente, o sentimento amoroso está para a conjugalidade como o prazer está para a prática de sexo. São muitos os livros e revistas que falam das múltiplas formas de conseguir alcançar o prazer sexual. Não fosse Eva a tentadora a usurpar o desejo do homem para cedermos todos ao pecado original. É sabido que entre os casais heterossexuais o objectivo de ter relações sexuais não é sempre o da reprodução. Aliás, quase sempre não o é. A liberalização da sexualidade abriu portas para uma maior aproximação das trajectórias sexuais dos homens e das mulheres. No entanto, a evidência empírica desafia a ideia de que o prazer sexual feminino é tão importante quanto o masculino. Ainda que o prazer sexual não se reduza ao prazer genital e ao alcance do orgasmo, o orgasmo corresponde ao clímax desse prazer.

O estudo (Inter)ditos: as dinâmicas afectivas e sexuais do casal heterossexual, baseado em entrevistas realizadas a 14 casais heterossexuais portugueses, revela que apesar da importância que o alcance do orgasmo tem na relação, o mesmo não é neutro em termos de género. São os homens que têm orgasmos com mais frequência do que as mulheres e as mulheres não atingem o orgasmo apenas com o coito.

Este trabalho demonstra empiricamente que as desigualdades entre homens e mulheres são importantes para compreender os diferentes significados atribuídos ao orgasmo (e à incapacidade de o alcançar). Estando as mulheres incumbidas de manter e assegurar o trabalho emocional da relação, algumas reconhecem que o facto de não conseguirem alcançar o orgasmo afecta negativamente os seus relacionamentos e leva a um descontentamento dos parceiros.

Isto representa o levantar do véu de algum descontentamento sexual, já que muitas mulheres fingem alcançar o orgasmo, de forma a expressar amor pelos seus parceiros e a não ferir os seus sentimentos e ego, mostrando a necessidade de preservar a virilidade e habilidades sexuais do companheiro, tendo em conta os padrões normativos de masculinidade.

De um ponto de vista sociológico, dir-se-ia que as maiores dificuldades das mulheres para alcançar o prazer sexual, decorrem não raro de factores socioculturais que perpetuam a desigualdade de género na esfera íntima. Como o estudo destaca, a construção do prazer feminino, muitas vezes, está associada à satisfação do parceiro, o que sustenta uma disparidade orgásmica e contribui para uma experiência sexual desigual.

Encarando o futuro como espaço de novas oportunidades, a sociedade necessita de reconhecer e discutir abertamente essas desigualdades para promover uma maior igualdade nas relações íntimas. Apenas assim poderemos construir uma sociedade onde a construção do prazer sexual seja cada vez menos um privilégio de género, mas um direito de todos e de todas.

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