Venezuela: González e Corina na mira da justiça e regime reforça “operação tun-tun”

UE pede fim de “intimidação judicial” no país. EUA, Colômbia e Brasil insistem na transparência e no diálogo. Repressão aumenta com detenções ilegais e contam-se já 24 mortes nos protestos.

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A mãe de uma das desaparecidas, Ninoska Barrios, professora de Ciência Política e activista Stringer / REUTERS
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Multiplicam-se as denúncias de detenções arbitrárias por polícias e milícias armadas pró-Maduro na Venezuela, tanto de representantes de diferentes partidos da oposição como de cidadãos anónimos, a cujas portas batem pela manhã para os deter, sem mandados de captura, naquilo que o próprio regime chama de “operação tun-tun” (onomatopeia relativa ao bater à porta dos visados, o "truz-truz"). Nove dias após as polémicas eleições presidenciais, o regime aumenta a repressão e colocou sob investigação criminal os seus principais opositores, Edmundo González – que reivindica a vitória nas urnas – e María Corina Machado, a líder do partido Vente Venezuela.

A abertura do processo contra os líderes da oposição por alegados crimes como instigação à insurreição ou conspiração foi anunciada na segunda-feira à noite pelo procurador-geral do país, Tarek Saab, na sequência de uma carta publicada na rede social X pelo candidato da oposição Edmundo González e pela dirigente María Corina Machado, apelando às forças de segurança para que "se coloquem ao lado do povo" e respeitem os resultados das eleições que dizem ter ganho.

Esta terça-feira, a União Europeia (UE) pediu ao governo da Venezuela que pare com "a campanha de intimidação judicial" contra os opositores. "Pedimos às autoridades que acabem com esta campanha de intimidação", declarou Peter Stano, porta-voz do chefe da diplomacia europeia Josep Borrell, insistindo que o bloco está "muito preocupado" com a evolução da situação no país.

Por seu lado, o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Matthew Miller, disse ainda na segunda-feira que os Estados Unidos estão em contacto próximo com o Brasil, México e Colômbia, três países liderados pela esquerda democrática, sobre um caminho para a Venezuela. Esclareceu, no entanto, que embora tenham reconhecido Edmundo González Urrutia como vencedor das eleições presidenciais, os EUA ainda não o reconhecem como presidente do país.

“Embora a posição dos EUA ainda não esteja clara, a oposição e Maduro devem chegar a um acordo político porque, caso contrário, o êxodo e a guerra eclodirão em toda a América”, alertou o Presidente da Colômbia, Gustavo Petro, numa mensagem na rede social X. “O meu Governo não cai na estratégia da guerra e da separação dos povos. O caminho é buscar a verdade e, a partir dela, alcançar soluções a favor da democracia”, acrescentou Petro, sublinhando que a Colômbia e a Venezuela são “povos vizinhos e irmãos”, mas “estão numa situação extremamente vulnerável e a primeira coisa que devemos defender é o povo e a paz”.

Mais cauteloso, o Presidente brasileiro Lula da Silva insistiu na segunda-feira, a partir do Chile, no “respeito pela soberania popular” e na “transparência dos resultados” e disse que tem empreendido iniciativas em conjunto com o colombiano Gustavo Petro e o mexicano Andrés Manuel López Obrador no sentido de “promover o entendimento entre o Governo e a oposição”, sem dar mais detalhes. Já José Raúl Mulino, presidente do Panamá, convocou uma cúpula de presidentes da região para encontrar uma solução para a crise na Venezuela.

A esperança na via diplomática e nas pressões internacionais continua a alimentar a determinação da oposição. Mesmo depois de conhecer a investigação criminal contra si, María Corina Machado publicou no X uma mensagem de incentivo aos seus seguidores na qual sugere existir uma estratégia para o que está por vir na Venezuela. “Isolados seríamos muito mais fracos e isso não vai acontecer”, afirma, insistindo que o processo “é irreversível e vai até ao fim.”. “O medo não vai nos paralisar, vamos superá-lo. Não sairemos das ruas”, garante.

Mas o medo já saiu à rua. Nos dois últimos dias não houve protestos contra a vitória anunciada de Maduro, estando antes em marcha o contra-ataque do regime intitulado “operação tun-tun”, com a qual as forças de segurança venezuelanas entram em casa dos alegados autores de crimes violentos durante os protestos para os deter, mesmo sem mandados de captura.

Três grupos de defesa dos direitos humanos disseram à Reuters que as forças de segurança estão a trabalhar intensamente para capturar manifestantes, incluindo uma centena de menores, sem acesso a advogados e que, em alguns casos, foram acusados de terrorismo. A Human Rights Watch avançou mesmo ter recebido “relatos credíveis de 24 mortes” nos protestos após as eleições.

Rodeado de altas patentes das forças armadas e da polícia, o ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino, reafirmou entretanto a "lealdade absoluta" dos militares ao regime.

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