Em Locarno, Carlos Pereira é um cineasta em permanente estado de procura
Português a estudar na Alemanha, o realizador está pelo segundo ano consecutivo no concurso de curtas de Locarno, com Icebergs. No festival suíço estão ainda Marta Mateus e Denise Fernandes.
Há um ano, Carlos Pereira (Lisboa, 1989) via a sua curta-metragem Slimane ter estreia mundial no concurso do Festival de Locarno, Leopardos do Amanhã. Nos 12 meses entretanto decorridos, Slimane venceu o prémio de Melhor Curta-Metragem Alemã atribuído pela crítica germânica; esteve na competição de curtas do IndieLisboa; e ganhou há poucas semanas o concurso secundário Take One! do Curtas Vila do Conde.
Um percurso que desemboca, agora, na sua nova curta, Icebergs, que tem estreia mundial na quinta-feira e está a concurso em Locarno, cuja 77.ª edição se inicia nesta quarta-feira e se prolonga até 17 de Agosto. Carlos Pereira é um de três cineastas portugueses nas competições 2024 do festival suíço: no Concurso Internacional, Marta Mateus apresenta a primeira longa, Fogo do Vento, e, na paralela Cineastas do Presente, Denise Fernandes estreia-se também na longa com Hanami. A presença portuguesa no festival completa-se, fora de competição, com o veterano Edgar Pêra e Cartas Telepáticas.
O leitor terá, no entanto, reparado que Slimane venceu um prémio de "melhor curta alemã". Não é erro. Carlos Pereira é português, e estudou na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC), onde foi colega de curso de Jorge Jácome, mas reside há vários anos em Berlim, onde é aluno da Academia Alemã de Cinema e Televisão (DFFB, na sigla original). Tanto Slimane como Icebergs foram obras produzidas no contexto do seu curso, e, por isso, são filmes alemães.
Por videochamada a partir da capital alemã, o realizador explica ao PÚBLICO que o seu desejo de sair de Portugal existia desde a adolescência. "Sempre senti que Portugal seria apenas uma casa de partida e que precisava de mais qualquer coisa para chegar a ser eu próprio", diz, citando a influência juvenil de… A Residência Espanhola, o fenómeno de popularidade do francês Cédric Klapisch. "Foi aí que decidi: 'Tenho de sair, tenho de ir viver, não sei bem o quê.'" Quando entrou para a DFFB — um entre nove alunos aceites num ano com 700 candidatos — tinha já "uma maturidade diferente e também uma vontade de filmar muito diferente", que gerou uma "catarata de inspiração", como diz ao PÚBLICO.
Inspiração que explica em parte o curto intervalo entre Slimane e Icebergs. "Mas é mais o meu estado pessoal que contribui para isso. Mesmo na DFFB, tenho sido um caso extraordinário de rapidez — as pessoas que filmam lá têm tendência a levar muito mais tempo entre projectos." Embora o curso tenha uma duração oficial de quatro anos, os alunos acabam por ficar muito mais tempo ligados à escola: "Não temos exames ou testes, apenas seminários de frequência obrigatória e depois a possibilidade de criar." O seu filme de "fim de curso" será a longa Remote Islands, escrita durante a uma residência em Fårö, na Fundação Ingmar Bergman, em 2022, e que irá apresentar este ano em Locarno com vista a futuros financiamentos.
Até lá, Icebergs é já a quinta curta de Carlos Pereira, depois de Longe (2010), que rodou na ESTC e esteve no Curtas Vila do Conde em 2010, Histórias de Fantasmas (2018), que passou no IndieLisboa, Vulkan (2022) e Slimane. O seu cinema não se inscreve, no entanto, naquilo que é identificado globalmente como português — Carlos Pereira não esconde a sua dívida à alemã Angela Schanelec, figura de ponta da escola de Berlim (cujo nome mais reconhecido é Christian Petzold). "Quando vejo os filmes dela, sinto que a minha vida interior, a minha forma de olhar para o mundo, está representada", diz. "Mas, ao mesmo tempo, o cinema que continua mais próximo de mim talvez seja o português. Portugal é, e será sempre, o meu ponto de partida, esteticamente. Há uns anos, eu diria que estou a fazer filmes portugueses na Alemanha — mas hoje em dia já não sei se é isso…"
Regressa à sua aspiração de viajar: "Gosto de filmar nos sítios onde estou, e como moro em Berlim há quase nove anos já estou bastante inspirado por aquilo que vivo aqui. Não sou só português, porque já tenho outras cidades, outros países, dentro de mim. Sou uma ideia híbrida de qualquer coisa. E não quero ficar fixado num país ou num determinado olhar sobre um país, mas sim continuar em permanente estado de procura, sempre relacionado com coisas que vivi ou que são próximas de mim."