O que é isso de ser uma curta “portuguesa” em Locarno?

Três curtas na competição levantam questões sobre o que é, hoje, ser um filme português. Catarina Vasconcelos é quem responde mais cabalmente (sem desprimor para Carlos Pereira ou Alessandro Novelli).

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No seu novo projecto, a curta Nocturno para uma Floresta, Catarina Vasconcelos regressa à ficção para explorar aquilo que a realidade não permite alcançar Primeira Idade
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Tecnicamente, Portugal une estas três curtas-metragens que Locarno seleccionou, este ano, para a sua competição. Mas, em rigor, essa definição técnica é bastante ambígua: duas das três têm financiamento português e duas das três são assinadas por cineastas portugueses, mas estas duas não são as mesmas que as primeiras duas. E todas elas são manifestações dos interesses e idiossincrasias dos seus autores, mais do que reflexos de uma abordagem especificamente “portuguesa” ao cinema (aliás, é legítimo perguntar: o que é isso de ser “português” no cinema?). Mais do que uma questão de nacionalidade, estes três filmes inscrevem-se, acima de tudo, numa noção difusa, mas transversal, do cinema independente ou de autor.

Talvez isto tudo consiga ser mais bem explicado pegando individualmente em cada uma das três obras. Slimane foi dirigida por um realizador português, Carlos Pereira, mas surge em Locarno com bandeira alemã: é um filme “de escola” realizado na Academia de Cinema e Televisão de Berlim — a mesma onde, por exemplo, estudou Mónica Lima, a autora de Natureza Humana —, e a história que nele se conta não tem nenhuma ligação directa com o nosso país.

No entanto: o modo como Pereira (igualmente argumentista) constrói todo o seu filme num sedutor e intrigante “fora de campo” que apenas revela o mínimo indispensável para dar um esqueleto à sua história, ou a dimensão oblíqua como os seus planos longos nos conduzem por estes 18 minutos, são traços que reconhecemos como presentes em muito cinema que se faz entre nós. Até mesmo a maneira como a curta nos deixa na dúvida sobre o que realmente está em jogo para o ex-preso que está no centro de Slimane, obra suportada por uma segurança técnica que conseguimos identificar como resultante da “tarimba” do currículo da escola berlinense.

No extremo oposto, encontramos De Imperio, que o animador italiano Alessandro Novelli escreveu e dirigiu no estúdio português BAP Animation, gerido pela dupla David Doutel/Vasco Sá, e com uma equipa de animadores portugueses. É, portanto, um filme de bandeira e co-produção portuguesa, mas concebido por um cineasta cuja carreira de animador não se formou no nosso país; a bandeira é aqui uma questão secundária, como aliás acontece regularmente na produção de autor contemporânea, em que cada vez mais cineastas filmam fora dos seus países com financiamento local.

Slimane é de um realizador português, mas tem bandeira alemã: é um filme "de escola" realizado na Academia de Cinema e Televisão de Berlim DR
Alegoria escheriana de 13 minutos e a preto-e-branco sobre a exploração e a revolta, De Imperio junta o italiano Alessandro Novelli ao estúdio português BAP Animation DR
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Slimane é de um realizador português, mas tem bandeira alemã: é um filme "de escola" realizado na Academia de Cinema e Televisão de Berlim DR

Podemos reconhecer em De Imperio uma ligação técnica e temática à produção “alternativa” em que a BAP se especializou ao longo dos anos, bem como a excelência do trabalho de animação a que o estúdio nos habituou (Laura Gonçalves, de O Homem do Lixo, é uma das produtoras). Mas esta alegoria escheriana de 13 minutos e a preto e branco sobre a exploração e a revolta é mais um espelho do que uma nova geração de animadores procura do que, exactamente, um reflexo de algo especificamente português — digamos que De Imperio poderia ser português, italiano, espanhol, francês, suíço...

Sobra, por isso, Catarina Vasconcelos, e o seu Nocturno para uma Floresta, que não nos deixa com quaisquer dúvidas sobre a sua verdadeira nacionalidade. Sim, este é um filme português, inspirado e filmado numa localidade portuguesa por uma realizadora portuguesa, até mesmo no modo como um convite circunstancial para uma residência artística acabou por dar origem a uma curta-metragem. E é também um filme que lança mais luz sobre o universo da sua autora, trabalhando de novo uma estrutura em “três actos” que recorre mais uma vez à ficção para explorar aquilo que a realidade não permite alcançar — aqui questionando a misoginia dos monges carmelitas que interditaram as mulheres de visitar a Mata do Bussaco onde construíram um convento.

Mais abertamente experimental do que A Metamorfose dos Pássaros, sobretudo no “segundo acto” que propõe um “carnaval das plantas” ao som do compositor francês do século XX Olivier Messiaen, este Nocturno sugere que a Metamorfose não foi mero “fogacho” e que Catarina Vasconcelos tem um universo muito próprio que quer explorar. Assim as circunstâncias da produção em Portugal o permitam.

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