Jamal mergulhou no Mediterrâneo, no tapete e nas lágrimas

Depois de perder no primeiro e último combate em Paris, o refugiado que nadou no Mediterrâneo desfez-se em lágrimas. Mas diz ao PÚBLICO que vai voltar: “E venho pelo meu novo país: os refugiados”.

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Valizadeh (de vermelho) em acção em Paris Kim Kyung-Hoon / REUTERS
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“Ei! Não baixes a cabeça! Estás-te a passar? O que é isso? Escuta-me... estiveste bem! Ei! Ei! Ei! Olha para mim, homem! És forte e fizeste o que podias. Bebe água. Isso... bebe. Foste bom. Acredita em ti. Isto não acabou aqui!”.

Entre outras coisas imperceptíveis, estas foram algumas das palavras do treinador de Jamal Valizadeh, já na saída da zona mista. O atleta desfez-se em lágrimas depois da conversa com o PÚBLICO, o mesmo estado em que já tinha chegado a essa conversa, vindo do primeiro e último combate nos Jogos Olímpicos 2024.

Na luta greco-romana, foi rápida a aventura do refugiado nestes Jogos. Entrou, lutou e saiu. Não houve glória desportiva, já que foi forçado a mergulhar no tapete, mas diz, apesar da desilusão, que teve glória pessoal.

A história de Valizadeh é, em simultâneo, simples e complexa. Complexa, porque tem sido uma vida cheia de curvas e contracurvas. Simples, porque se explica de forma lamentavelmente fácil: como muitos outros, teve de fugir do seu país em barcos sobrelotados, teve de mergulhar no Mediterrâneo e, por sorte e engenho, chegou a terra firme. Outros não.

É por isso que se diz pessoalmente glorioso, mesmo que desportivamente desiludido. “Estou orgulhoso do que fiz e de estar aqui como atleta e como refugiado”, apontou, apesar de reconhecer que queria mais de Paris: “Sim, esperava mais. Poderia ter feito melhor. Mas, como sabe, eu sou refugiado e não tenho apoio financeiro suficiente. Não posso participar em muitas provas e estágios. Tenho de fazer tudo sozinho em casa”.

E é esta limitação, segundo Jamal, que o limitou neste combate. “Reconheço que cometi alguns erros a nível técnico. Mas temos de participar em diferentes provas para reduzir o número de erros. E eu não tenho essas provas. Os outros lutadores têm o apoio dos países deles, mas, para nós, é limitado”.

“Trabalhava 16 horas por dia”

Quando fugiu do seu país, o Irão, Jamal Valizadeh começou por fixar-se na Turquia. E conta-nos como sobrevivia por lá. “Trabalhava 16 horas por dia numa empresa que fazia paletes de madeira. Como não tinha documentos para trabalhar como uma pessoa normal, exploravam-me. Mas tinha de ser assim, para ganhar alguma coisa”, recorda, sobre a aventura que durou seis meses.

Seis meses suficientes para ganhar os mil dólares de que precisava para chegar à Europa. Percebeu que o melhor caminho era entrar num barco no Mediterrâneo, no meio do Inverno, com mais 50 pessoas, tendo acabado dentro de água, para salvar mulheres e crianças do afogamento. A embarcação, também ela a meter água, quase acabou com a aventura de todos eles.

Quando chegou a França, em 2016, conseguiu o estatuto de refugiado e uma bolsa para estudar informática no ensino superior, mas esperou até 2023 para retomar as lutas.

Em pouco mais de um ano, depois de começar a treinar com a equipa gaulesa de luta greco-romana, chegou aos Jogos. E diz que vai continuar em França. “Vou manter-me, sim. Não tenho a minha família cá, mas tenho amigos que me ajudam. Não se trata apenas de preparar-me fisicamente, mas também a nível mental. E isso por vezes falha. Estamos longe das nossas famílias, amigos e é mais difícil para nós do que para outros”.

Questionado sobre se pensa pedir a cidadania francesa e competir pelo país que o acolheu, o lutador diz sim e não. “É uma possibilidade [naturalizar-se]. Mas prefiro continuar a competir pelos refugiados. Porque eles são todos a minha família. É o meu novo país. Quero representá-los nos próximos Jogos Olímpicos”, garante.

Por agora, vai voltar para casa – a nova casa, que fica aqui bem perto.

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