Gripe das aves é detectada em três zonas de Portugal, mas não motiva preocupação
Nas últimas semanas, a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária identificou “vários casos de infecção” com gripe das aves em Faro, Albufeira e Ílhavo. Casos foram confirmados em aves selvagens.
A Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) anunciou a detecção de vários casos de infecção por gripe das aves desde “finais de Julho”. Todos os casos foram identificados em aves selvagens – nomeadamente gaivotas, diz a DGAV –, algo que motiva poucas preocupações para a população portuguesa, pelo menos para já.
Os casos detectados não afectam “o estatuto sanitário de Portugal” que se mantém como um país livre de gripe das aves de alta patogenicidade (ou seja, com alto risco de provocar doença) em aves de capoeira, indica a DGAV em comunicado. As aves selvagens com este vírus foram detectadas na Gafanha da Nazaré (Ílhavo), na ilha Deserta (Faro) e em Olhos de Água (Albufeira).
A DGAV não avança o número de aves selvagens identificadas, nem o tipo de vírus detectado. O organismo na dependência do Ministério da Agricultura e Pescas também não respondeu até ao momento às questões enviadas pelo PÚBLICO sobre estes dados.
O último foco identificado em aves selvagens, no território português, tinha sido já em Novembro de 2023, também na Gafanha da Nazaré, enquanto em aves de capoeira já tinha sido detectado pela DGAV em Setembro de 2022. No caso de serem encontradas aves selvagens mortas ou doentes, devem ser contactados os serviços da DGAV e não tocar nas aves.
Os casos do vírus de gripe das aves têm sido proeminentes na Europa e, sobretudo, nos Estados Unidos, onde os casos têm inclusive afectado humanos. Desde Março deste ano, houve 13 casos de gripe das aves em humanos, quatro dos quais após exposição a vacas. Esta transmissão de aves para mamíferos tem sido um dos sinais de alarme ao longo dos últimos dois anos, uma vez que estes saltos do vírus para mamíferos parecem estar a tornar-se mais comuns.
Os vírus de gripe das aves podem ser transmitidos directamente pelas aves, por ambientes contaminados por estas ou então através de intermediários como as vacas.
O mais comum destes vírus de gripes das aves na Europa é o subtipo H5N1. Embora haja outros subtipos do vírus em circulação, este é o que tem sido mais escrutinado pelas organizações de saúde e é, também, o que tem tido maior impacto. Por exemplo, entre Janeiro de 2003 e Maio de 2004 registaram-se 889 casos em humanos em 23 países, de acordo com a Organização Mundial da Saúde – destes 463 casos resultaram em morte. Embora estas infecções em humanos não sejam novas, continuam a ser raras e não é possível transmitir o vírus entre humanos.
Um aviso das aves selvagens
Não se pode dizer, no entanto, que se fosse totalmente inesperada. A persistência da circulação dos vírus em aves de capoeira e em aves selvagens tem levado a renovadas recomendações pelas autoridades de saúde europeias e mundiais, sobretudo para precaver a disseminação do vírus em aviários. A época de gripe aviária 2021/2022, ou seja, entre 1 de Outubro de 2021 e 30 de Setembro de 2022, foi o pior período observado no contexto europeu, com mais de 6000 locais com vírus da gripe das aves identificados.
Desde o Verão de 2023 que a situação tem melhorado na Europa. Por exemplo, entre Dezembro de 2023 e Março de 2024, apenas foram detectados 643 focos de gripe das aves em todo o continente europeu, um número ainda elevado, mas que demonstrava o decréscimo dos surtos de gripe das aves na Europa. Aliás, o risco de infecção para humanos é muito baixo, segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês).
A disseminação do vírus em aves de capoeira dispara um alerta muito maior para a população, dado que além da maior facilidade em transmitir o vírus – sobretudo em aviários – há dois riscos muito prevalentes: o contacto dos funcionários com as aves e o consumo das próprias aves.
Ainda assim, as aves selvagens têm tido um papel relevante no aumento de casos de gripe das aves em 2020 e 2021, sobretudo devido às suas rotas migratórias mais longas. Por exemplo, o subtipo H5N1 saltou do continente europeu para a América do Sul, pela primeira vez, no final de 2022 através de aves selvagens infectadas. Um estudo, publicado em Outubro de 2022 na revista Emerging Infectious Diseases, apontou a existência de rotas de transmissão das infecções entre o Norte da Europa e a América do Norte, que poderão propiciar o aumento da transmissão do vírus H5N1 para outras regiões – como, no caso, a América do Sul.
A maioria dos surtos actuais, fora da Europa, está na América do Norte onde a disseminação dos vírus – sobretudo do tipo H5 e do subtipo H5N1 – tem afectado populações de aves selvagens na Antárctida e até pinguins que terão morrido com o vírus.
“O vírus da gripe das aves H5N1 existe e é motivo de preocupação há décadas devido à sua capacidade de infectar aves domésticas, aves selvagens, mamíferos e humanos”, explicava ao PÚBLICO no ano passado Michelle Wille, investigadora da Universidade de Sydney, na Austrália.