Associativismo em Portugal: dividir para reinar

Sempre adorei o associativismo e acho que é uma excelente forma de viver em sociedade.

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Foi uma cerimónia bonita. Com banda, discursos, comes e bebes. A nova rotunda de entrada em Vila Nova engalanou-se para inaugurar uma estátua que sela definitivamente a vila e a região como a Capital do Berlinde. Um artista local esculpiu três guelas e um abafador bem redondinhos, muito bonitos, e três covinhas que esperemos que não causem nenhum acidente de viação.

O processo não foi sem dor. A Federação Portuguesa de Berlinde (FPB), que é há 35 anos presidida pelo José Silva, o Zé do Guelas, como gosta de ser chamado, opôs-se deste a primeira hora, alegando que eles é que determinavam quem pode ou não almejar a tamanha honra de ser a Capital do Berlinde e não foram consultados. Arranjou inclusivamente uma carta da World Marbles Federation a dizer que assim era.

Há uns anos, quando me passei com o Zé, fundei a Sociedade Portuguesa do Berlinde (SPB) com a minha namorada de então. Em boa hora o fiz. A partir daí o gajo e a seita dele deixaram de pintar para o filme. E posso fazer os meus projetos sem ninguém que me chateie. Bom, sem ninguém, não, que, quando eu e a Vera acabámos, ela armou-se em parva e não assinava as atas da assembleia geral e a câmara municipal queria tirar-nos a sede que tínhamos ao lado do clube de ciclismo, onde guardávamos todo o equipamento. Mas resolveu-se com a intervenção da minha prima que estava em França e era conhecida da filha da vereadora.

O Zé da Federação nem veio à inauguração da rotunda. Foi convidado, mas delegou no neto que é agora seu vice-presidente. Nem nos falámos… Eu que ensinei tudo àquele puto. Agora já acha que é alguma coisa e nem uma covinha sabia cavar com a mão. Os gajos têm o Instituto do Desporto por trás, mas a nossa implantação no território e na modalidade não tem rival. Somos poucos, mas muito ativos e damos resposta aos desafios do berlinde no século XXI, enquanto que eles cheiram a bafio.

Convencer o presidente da Câmara de Vila Nova em promovê-la como Capital do Berlinde requereu algum jogo de cintura: o Becas da assembleia municipal eleito pela oposição começou as críticas de que não faziam nada pelo desporto e o presidente e a vereadora já não o podiam ouvir. Um mês depois, exatamente a seis meses das eleições autárquicas nas quais concorreria para o seu último mandato, lá estava uma carta em papel timbrado da SPB com uma proposta de consagração de Vila Nova como Capital do Berlinde. Irrecusável.

Fui chamado a uma reunião e apresentei um PowerPoint com a ideia. Os olhos do presidente até brilharam: o Becas já ia levar com aquilo pela boca abaixo na próxima reunião de assembleia municipal. E assim foi. Ao mesmo tempo contratava-se o Patas, artista filho da terra que não tem muito que fazer, e enfia-se um bocado de cultura e desporto na rotunda paga pelas novas acessibilidades ao quinto supermercado da região.

Soube há pouco que a FPB convenceu Vila Velha a registar a marca “Terras do Berlinde” e que está a fazer merchandising com isso, mas a rotunda ninguém nos tira. O problema é se aquilo escala e voltamos a ter berlindes nas gasosas com a chancela da FPB. Espero que as autoridades de segurança alimentar não deixem, senão a visibilidade deles sobe muito.

Entretanto, a SPB conseguiu que o campeonato interturmas de berlinde de Vila Nova fosse no parque de estacionamento do novo supermercado e eles oferecem um saco com os lanches dos miúdos. Mesmo frente à rotunda. Tudo a correr bem.

Tenho de ver qual a próxima jogada do Zé da Federação para não ficarmos para trás. A integração de Vila Nova na União Iberoamericana das Vilas Capitais do Berlinde ele já não nos rouba para Vila Velha! E serei eu o delegado à conferência anual. Sempre adorei o associativismo e acho que é uma excelente forma de viver em sociedade.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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